levei um banho de água fria

como se chovesse há séculos,

como a chuva que veio do mar

e deixou um pouco de brasa,

pois a fogueira logo foi levada

e, sem o fogo, apenas abrasou.

 

o dia estava quente, era solar,

pouco solar, pois a brasa exige

tempo, mas começava a estalar,

se ouvia e refletia sua centelha.

a lenha ainda seria melhorada,

mas levei um banho de água fria

 

antes mesmo de se ver acender

a fogueira, voltei à antiga brasa.

brasa que com a água se fez lama.

e no ar o odor de fogueira apagada,

na terra as cinzas viviam fumaça,

e a água obstruía os caminhos.

 

senti a água fria em dia quente

o arcaico banho apagou a brasa.

dela devem ter feito um brasão

também arcaico. Foi quando vi

a fria água escorrendo no corpo:

era medrosa, presa em conserva

 

se guardou e ainda se guarda

esta água num braseiro úmido.

mantida com gelos e gosmas

ela inflama por não ter chama,

sua brasa ao chamar se apaga

para dar um banho de água fria.

 

Jefferson Bessa

 

Do e-livro Água Fria (2017)