Pobre com carro
Em: 22/10/2012, às 16H53
[Bráulio Tavares]
Freud dizia que o dinheiro não traz felicidade porque não é um desejo de infância. Talvez seja por isto que a posse de um automóvel enche de lágrimas felizes os olhos de tantos brasileiros. Desde os primeiros cambaleios infantis esses pobres diabos são induzidos a puxar por um cordão uma traquitana qualquer com quatro rodas e a produzir onomatopéias tipo rom-rom-rom e pi-biiit. Para milhões desses desventurados, o carro torna-se o mais multifuncional dos símbolos. Ele é rito de passagem para o mundo adulto, é diploma de ascensão social, é triunfo tecnológico sobre o Espaçotempo, é alcova sobre rodas, é escafandro protetor contra os esbarrões da plebe, é talismã semiótico, é prótese locomotora em quatro dimensões... O verbo ser é um conceito abstrato, metafísico, mas ganha carne, osso e metal com este sinônimo reluzente: “ter um carro”.
Muitos amigos meus dizem que pagariam qualquer preço por um frasco de perfume com “cheiro de carro novo”, e só não mango porque eu, por exemplo, gosto de cheiro de livro velho (mas não, não compraria um frasco de perfume, compraria um livro velho, como se tivesse poucos). E assim não é difícil entender porque nossas cidades não funcionam, nosso transporte público é uma porcaria, nossos urbanistas fazem as pessoas se adaptarem ao trânsito e não o contrário. Diz-se mundo afora que “país rico não é aquele onde pobre tem carro, é aquele onde rico anda em transporte público”. Duvido que vejamos o Brasil ser assim um dia. O sonho dos governos brasileiros e da indústria brasileira é termos um dia 200 milhões de carros para 200 milhões de pessoas. E as cidades que se explodam.