Piauienses viraram ficção na Amazônia

(*) Dílson Lages Monteiro
Especial para o Diário do Povo e para o Entre-textos

Um é descrito como "magro, ágil, elétrico, homem de fino trato, olhar inteligente, meio romântico, ousado, impetuoso, um tanto ingênuo, elegante de espírito (...) bem nascido, família abastada, dona do Norte do Piauí, a terra do gado". O outro, como um combativo homem público de ampla atuação, a seu tempo, no Norte do País. Fileto Pires Ferreira e Thaumaturgo de Azevedo, piauienses que governaram o Amazonas, respectivamente, entre 1896-1898 e 1891-1892, são personagens do romance "Teatro do Amazonas", de autoria do amazonense Rogel Samuel.


A obra conta a história de uma das mais opulentas casas de espetáculos do país, o Teatro do Amazonas, inaugurado em 31 de dezembro de 1896 e, dentre outras características, redimensiona o papel de Fileto e Thaumaturgo na história do Amazonas.


O romance põe em relevo a atuação do protagonista da obra, Fileto Pires, na vida política daquele Estado. Para o autor, Pires Ferreira foi um dos grandes governadores do Amazonas, porém, injustiçado.


Para construir o perfil dos personagens, Rogel realizou vasta pesquisa histórica, vasculhando desde os livros clássicos sobre a história amazo-nense aos estudos genealógi-cos. Até mesmo cemitérios o autor visitou durante a pesquisa. Mas foi na Biblioteca Nacional que encontrou preciosidades, desconhecidas dos piauienses e mesmo de historiadores amazonenses, e, baseado nelas, deu fôlego à obra.


O livro permite mergulhar em detalhes da Manaus do final do século XIX e início do século XX. "A vida em Manaus era exuberante, elegante e rica, e bem alegre, já naquela época. Era o início do apogeu de uma sociedade que enriquecia rapidamente, com a extração da borracha."


Ainda retratando Manaus, no capítulo quarto, o Natal de 1900, descreve o autor:
"Poucos anos depois a economia do Amazonas entrou em decadência e ruína. Ma-naus quase foi transformada numa cidade fantasma. O manto negro de uma recessão a cobriu durante cinqüenta anos, povoando suas ruas uma legião de mendigos. O Teatro Amazonas fechou as portas por meio século e durante algum tempo se transformou em depósito de borracha crua. Todos os espelhos de cristal, os quadros, as estátuas, as cortinas de veludo, os lustres, os tapetes de linho, os jarros de porcelana, os móveis de luxo, as mesas e cadeiras móveis foram roubados."


A publicação dos capítulos de Teatro do Amazonas ocorre originalmente nos endereços eletrônicos Blocosonline e, simultaneamente, em Entre-textos e no próprio site do escritor. A cada quinzena, novo capítulo é publicando nesses sites. Atualmente, 11 capítulos estão à disposição do internauta.


Rogel Samuel é poeta, escritor, webjornalista e colunista do Blocos On Line e Entre-textos, além de ser professor aposentado adjunto e doutor do Departamento de Ciência da Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.


Dentre as suas obras, já publicou: "Crítica da Escrita", em 1979; "Manual de Teoria Literária", já com 14 edições; "Literatura Básica, em 3 volumes, em 1985; "O que é Teolit?", em 1986; "120 Poemas, em 1991"; "Novo manual de Teoria Literária", 4ª. Edição, em 2007 e o romance "O Amante das Amazonas", 2005. O autor assina o blog http://literaturarogelsamuel. blogspot.com/

Romance é publicado na Internet
Como nos folhetins antigos, que tinham seus capítulos publicados nas páginas dos jornais, o autor de "Teatro do Amazonas" usa a rede mundial de computadores e divulga o romance em seu diário virtual.

DIÁRIO DO POVO - Como nasceu, escritor, a idéia de construir este romance?
Rogel - A minha intenção inicial era escrever sobre Eduardo Ribeiro, governador do Amazonas. Cheguei a escrever vários capítulos, que se perderam. Dele pouco se sabe.

DP - O Teatro do Amazonas é o tema de seu romance de mesmo nome. O Teatro foi construído no final do século XIX. Que tempo é esse na narrativa de Teatro do Amazonas?
Rogel - Procuro reconstruir o ambiente da época, ou pelo menos na minha imaginação. É um tempo romanesco.

DP - O romance histórico é resultado não apenas do talento do escritor em escrever ficção, mas também de pesquisa. Quais as fontes de pesquisa em que o senhor mergulhou e que foram decisivas na construção de espaços, personagens e da própria trama?
Rogel - Foram decisivas algumas fontes, como os livros de Fileto Pires Ferreira, Thaumaturgo de Azevedo e Eduardo Ribeiro, que quase ninguém leu. Além de Mário Ypiranga e Genesino Braga.

DP - Um dos protagonistas do romance é Fileto Pires Ferreira, piauiense, que governou o Amazonas. Em linhas gerais, como é o Fileto personagem? Por que ele figura como um dos protagonistas?
Rogel - Fiquei impressionado com o livro de Fileto "A verdade sobre o caso do Amazonas", muito bem escrito. Descobri que, apesar de só governar 19 meses, foi o grande governador de sua época e de todos os tempos no Amazonas. Descobri também que ele é esquecido e injustiçado.

DP - Por que Fileto Pires Ferreira seria um injustiçado na história do Amazonas?
Rogel - Sim, um injustiçado. Era honesto, empreendedor e romântico. Aliás, ainda estávamos no Romantismo, no Amazonas. Fileto amava tanto o Amazonas que seus três filhos tiveram nome de índio.

DP - Pesquisando para construir o romance, o senhor descobriu bastante sobre Fileto e também sobre o piauiense Taumaturgo de Azevedo, outro personagem que integra o enredo. Que informações descobertas sobre essas figuras foram motivo de encantamento?
Rogel - Thaumaturgo foi um herói nacional, mas reconhecido ainda hoje. Governou o Piauí e o Amazonas. Não foi esquecido, como Fileto. Entretanto, não há uma rua ou escola em Manaus com o nome deles. E pouca gente sabe que foi Thaumaturgo quem traçou o plano da cidade de Manaus.

DP - No século XIX, os romances históricos eram declaradamente nacionalistas. Já no século XX, passaram a agregar elementos psicológicos e a voltar-se para as mentalidades em relação ao passado. Qual precisamente o viés de o "Teatro do Amazonas"? A missão dele é reinterpretar o passado?
Rogel - Não sei, ao sabor da pena, não tenho distan-ciamento estético para saber. Só sei é que é algo que estava há muito dentro de mim, e que há muitos anos precisava sair de mim. O viés é pessoal. É um ajuste de contas comigo mesmo, está nas minhas entranhas, no meu sangue.

DP - A publicação dos capítulos ocorre gradativamente em Blocos online, em seu site e no site Entre-textos. O que muda na recepção da obra, em sua análise, quando ela é publicada dessa forma e na internet?
Rogel - Acredito na Internet, creio que por aí se vai encontrar o futuro. O atual governo pretende instalar dezenas de milhões de computadores nas escolas de primeiro e segundo grau, com Internet banda larga. Se não me engano serão 37 milhões. Você pode imaginar o que isso vai significar em número de leitores novos, de futuros leitores. Em breve, cada romance como o meu, publicado na Internet, terá não mais milhares de leitores, mas alguns milhões.

Dílson Lages Monteiro é editor de Entre-textos