Piauí, memória e existência na poética de Climério Ferreira

Uma poesia de alicerce na condição existencial e na evocação da memória.

[Dílson Lages Monteiro]

Sua arte se confunde com clássicos da música popular brasileira. Canções que se tornaram célebres na voz de várias expressões musicais do País. Gerações e gerações se emocionaram com sucessos tais quais "enquanto engomo a calça", "flora", "riso cristalino", "conflito", na parceria com compositores como Dominguinhos e Ednardo. O piauiense Climério Ferreira se fez compositor de renome nacional, mas igualmente poeta de grande força telúrica, cantando as origens. O Piauí é um dos temas da predileção desse vate de obra imorredoura.

Do Médio Parnaíba Piauiense, de Angical do Piauí, da Rua da Areia, para o mundo, nasceu em 27 de março de 1943, Climério de Sousa Ferreira. A paisagem da Terra Natal e de cidades circunvizinhas, embora tenha deixado às origens com apenas um ano de idade – a ela regressando em visitas esporádicas a familiares ou em férias –, marcaria para sempre a memória afetiva. Dezenas e dezenas de poemas e canções tematizam, teluricamente, espaços, tipos, costumes e os sentimentos mais ternos da fonte de nascença. O Médio Parnaíba piauiense figura simbolizado para sempre em sua simplicidade característica.

Angical do Piauí, Regeneração e Amarante, em seus poemas-canções, transportam-se em símbolos às vezes, verdadeiramente sentidos em sua realidade; às vezes, oníricos, como já acentuou o escritor Cineas Santos.  A fazenda Boa Nova, antiga e próspera propriedade do coronel Marcelo Soares e Laudelina Barbosa Ribeiro, marco na vida da comunidade angicalense, no Piauí, e berço de raízes familiares, ganha as cores da imaginação e da memória, da saudade doída do que ficou para trás. Ruas de Areia, o Cemitério da Chapadinha, a simplicidade das pequenas povoações com cara de antiguidade.

Regeneração-PI é a própria infância-adolescência reinventada. O desejo de retê-la para sempre como era na ilusão do sonho: “Nunca mais volto à Regeneração/a cidade não mais existe/eu também não. (...) Regeneração ficou por aqui/se eu te encontrar como eras/posso pensar que morri”.

Amarante, a terra do poeta Da Costa e Silva, é a montanha que comunica silêncios. Certeza do Agora. Possibilidade de ver o céu mais de perto belamente: “Uma montanha /Em silêncio me diz tudo/Seu dorso de pedra/Reproduz involuntariamente/Um horizonte/(...)Uma montanha/Repousa sobre a Terra/Como uma denúncia/Do tempo petrificado”.

Comentando um dos livros do poeta, publicado em 2021, Canções de Amor & Desespero, Jotabê Medeiros acentua que “tudo ali pode virar música a qualquer momento”, ressaltando que são “inequívocos retratos de solidão, sentimento e apaziguamento, feitos de palavras de reconhecimento imediato por todos os seres humanos”.

Em mais de duas dezenas de livros de poemas, a grande maioria produção independente, encontra-se uma poesia de alicerce na condição existencial e na evocação da memória. Em ambas as tendências, a recorrência à exaltação verdadeira da simplicidade, da solidão benfazeja, da contemplação com olhos livres, da vivência do tempo presente, da metalinguagem e da identificação com a paisagem geográfico-afetiva de lugares e tipos piauienses. Em algumas obras, predomina uma tendência ao minimalismo; em outras, a descrição e a discursividade, porém, em ambas as linhas, o eu lírico – e com efeito, o leitor, guia-se pela objetividade, pelo tom de conselho, pela sentença aforística e seus interditos.

A poesia-canção de Climério Ferreira tem o cheiro da terra molhada, o gosto da fruta tirada no pé, o barulho da chuva na bica. A Simplicidade do que há de mais humano. Este gigante da música popular brasileira, além da obra poético-musical festejada pelo Brasil, carrega consigo o coração do mundo, porque, para ele, “poemas são corações/ que pulsam fora do peito”.

A poética de Climério de Sousa Ferreira tem o sabor do Piauí. Tem o poder absoluto da liberdade.

(*) Dílson Lages Monteiro é poeta, ficcionista e membro da Academia Piauiense de Letras.