PIAUÍ, INFÂNCIA E FAMÍLIA
Em: 18/04/2008, às 14H50
Vamos começar pelo seu estado, o Piauí.
Bem, eu nasci no Piauí, numa sexta-feira, às duas da madrugada do dia 25 de junho de 1920. Nasci numa casa na Rua da Glória, esquina do Mercado. A casa ainda existe. Eu sou o quinto de nove filhos, seis mulheres e três homens. Meu pai era advogado, professor e, mais tarde, em 1931, foi nomeado Desembargador. Antes foi ser juiz, no interior do Maranhão, depois voltou para Teresina, onde eu nasci. Ele nunca teve atividade política.
Mas ele também era poeta...
Todo professor e advogado no interior do Brasil escreve poesias, faz conferências, é dado a leituras. A Faculdade de Direito era o caminho para o acesso à literatura e aos conhecimentos gerais. Naquela época não havia faculdade de Filosofia, não havia escola de Letras, de Sociologia, de Psicologia. A Escola de Direito era o núcleo de formação cultural mais conhecido da época, o mais rotineiro.
Ou você ia ser militar, ou ia ser padre...
Era engenheiro, médico, bacharel, padre ou militar. minha família é de bacharéis e militares. Muitos militares, de cabo a General.
O Marechal Humberto Castello Branco era seu parente?
Era da minha família, que teve vários generais. Mas eu nunca fui atraído por nada que representasse aperfeiçoamento físico. Eu nunca fiz ginástica, meu único exercício era jogar futebol na rua e andar de bicicleta...
E como era a rotina familiar? Sua mãe era dona de casa?
Era mulher dona de casa. Ela era prima de meu pai, e órfã de pai e mãe. Quando o pai morreu, ela tinha 1 ano, e 5 quando perdeu a mãe. Ela tinha só um irmão, que nasceu depois da morte do pai, era um filho póstumo. Minha mãe morreu com 91 anos, e esse irmão morreu com 82. O pai dela morreu com 24 anos, no interior do Amazonas. Foi pra lá fazer a vida e morreu de febre. Minha mãe se casou aos 18 anos, e meu pai tinha 21.
Fale sobre seus irmãos.
O mais velho era funcionário público, hoje aposentado, da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro; o mais novo, Lucídio, é advogado e jornalista, e é diretor do Jornal do Brasil no Rio Grande do Sul há muitos anos. Hoje já tem uma família, filhos e netos gaúchos. Minha irmã mais velha mora no Piauí; tem 73 anos, e minha irmã mais nova tem 51 e mora no Rio de Janeiro.
Qual a origem da família?
A família Castello Branco estava instalada no Piauí desde 1701. É originária de um português chamado Francisco da Cunha Castello Branco, que ganhou uma sesmaria de terra na cidade de Santo Antonio de Serubim de Campo Maior. Quando ele viajava de Pernambuco para o Piauí, para assumir as terras que tinha ganhado, seu navio naufragou, e ele perdeu tudo que tinha, inclusive a mulher; só se salvaram três filhas. Destas três moças nasceram todos os Castello Branco que existem no Brasil hoje. O Castello Branco que veio para o Brasil era o segundo irmão do sexto Conde de Pombeiros. No fundo a família é a mesma, é uma só.
E quais são as suas lembranças de menino, da cidade? Era uma vida pacata?
Uma vida tranqüila. Eu tinha muita liberdade, andava muito na rua, tinha muitos amigos. Era uma vida pobre, mas no interior, naquele tempo, a comida era farta, abundante. Eu comia muita fruta, e minha mãe fazia feira todo dia, trazia carne e verduras. Aí fui fazer o ginásio. Depois, se fazia um curso pré-universitário, pré-jurídico, pré-médico. E não havia em Teresina esse curso, então fui estudar na Universidade de Minas Gerais. Fui para Minas porque, no ano anterior, um colega de meu pai, desembargador, tinha vindo ao Rio trazer o filho. Mas, chegando, ele soube que havia em Belo Horizonte um centro universitário muito bom. Como a cidade era tranqüila, com muita segurança, e com bom ensino, ele então aconselhou meu pai a me mandar para lá, e não para o Rio. Eu tinha 16 anos na época, era um garoto. Saí de Teresina no dia 7 de janeiro de 1937. Atravessei o rio de canoa, tomei o trem na cidade de Flores e fui para São Luís do Maranhão. Lá peguei o vapor para ir ao Rio de Janeiro, porque não tinha como ir direto para Belo Horizonte. Fui para lá de trem-de-ferro, saindo do Rio. Cheguei em Belo Horizonte no dia 1° de fevereiro de 1937. Mas não pensava muito no que eu ia ser, não tinha um objetivo assim definido na vida...
Da sua geração, alguém mais saiu do Piauí e ganhou notoriedade como você?
Quase todos ficaram no Piauí, com exceção do Deputado Neiva Moreira, e mais tarde o Francelino. Este veio do interior do Piauí, era apenas um pouco mais novo que eu, mas veio estudar muito tempo depois. Francelino era de uma família muito pobre, e seus irmãos se cotizaram para mandá-lo para Teresina, para estudar. Depois deram a ele uma passagem para Belo Horizonte, para estudar e tentar a vida lá.
No Piauí, ainda prevalecia o coronelismo?
Eu não tinha muita consciência disso, porque morava em Teresina, numa cidade burocrática, que era capital do estado. A política do interior era feita pelos coronéis, mas em Teresina, como em toda capital, era formada por pessoas de profissões liberais, havia liberdade de opinião.
O que te dá alegria?
Conversar com pessoas jovens e bonitas. Além disso, minha família, meus filhos, meus netos, minha mulher, eu gosto muito deles todos. A Elvia, minha mulher, tem seus objetivos, tem sua carreira própria. Foi juíza por concurso. Ela não sabia nada, estudou, aprendeu e venceu a parada. Está chegando aonde chegou por ela mesma e não por influência minha. Ela quis se afirmar por ela mesma, mas não repudia a posição de ser minha mulher.
in Castello 50 anos de jornalismo. Entrevista cedida à Adriana Zarvos, em 1986, editada por Luciano Trigo.