Peter, o pequeno herói da Holanda

Com apenas um dedo, menino salvou o seu país da força das águas.

 

                                                                      Ao professor Paul Zumthor, em memória.

25.11.2009 - Em Brasileiros na Holanda - "o site informativo da comunidade brasileira" - está recontada a célebre lenda do garoto-herói dos Países Baixos. Passo a essa "recontação", construída a partir da versão que o relato recebeu de Etta Austin Blaisdell e Mary Frances Blaisdell.

                                                                        

                                                              "O Pequeno Herói da Holanda
 

A Holanda é um país cuja maior parte do território fica abaixo do nível do mar. Enormes muralhas chamadas diques são o que impede o Mar do Norte de invadir a terra, inundando-a completamente. Há séculos o povo se esforça para manter as muralhas resistentes, a fim de que o país continue seco e em segurança. Até as crianças pequenas sabem que os diques precisam ser vigiados constantemente e que um buraco do tamanho de um dedo pode ser algo extremamente perigoso.

Há muitos anos, vivia na Holanda um menino chamado Peter. Seu pai era uma das pessoas responsáveis pelas comportas dos diques. Sua função era abrí-las e fechá-las para que os navios pudessem sair dos canais em direção ao mar aberto.

Numa tarde do início do outono, quando Peter tinha oito anos, a mãe o chamou enquanto brincava: - Venha cá, Peter. Vá levar esses bolinhos do outro lado do dique para o seu amigo cego. Se você andar ligeiro e não parar para brincar, vai chegar em casa antes de escurecer.

O menino gostou da tarefa e partiu feliz da vida. Ficou um bom tempo com o pobre cego, contando-lhe sobre o passeio da vinda e o sol e as flores e os navios lá do mar.

De repente, lembrou-se da mãe dizendo para voltar antes de escurecer, despediu-se do amigo e tomou o rumo de casa.

Quando passava pelo canal, percebeu como as chuvas tinham feito subir o nível da água e que elas estavam batendo forte contra o dique, e pensou nas comportas do pai.

"Que bom que elas são tão fortes! Se quebrassem, o que seria de nós? Esses campos lindos ficariam inundados. Meu pai sempre diz as águas estão "zangadas". Parece que ele acha que elas estão zangadas por ficarem presas tanto tempo".

O menino parava a toda hora para pegar umas florzinhas azuis que cresciam à beira do caminho, ou para escutar o barulhinho dos coelhos andando pela relva. Mas, com maior freqüencia, sorria ao pensar no pobre cego que tão poucos prazeres tinha e tanto apreciava suas visitas.

De repente, percebeu que o sol estava se pondo e escurecia rápido. " Minha mãe vai ficar preocupada", pensou ele, já corendo para chegar logo em casa.

Nesse exato momento, ouviu um barulho. Parecia água respingando! O menino parou e foi procurar de onde vinha. Encontrou um buraquinho no dique por onde estava correndo um fio de água.

Qualquer criança na Holanda morre de medo só de pensar num vazamento dos diques. Peter compreendeu o perigo imediatamente. Se a água passasse por um buraco qualquer, de pequeno ele logo se tornaria grande, e todo o país seria inundado. O menino prontamente percebeu o que deveria fazer. Jogou fora as flores, desceu a encosta lateral do dique e enfiou o dedo no furo.

A água parou de vazar! E Peter ficou pensando com seus botões: "Ahá! As águas zangadas vão ficar presas. Posso contê-las com meu dedo. A Holanda não vai ser inundada enquanto eu estiver aqui."

Correu tudo bem no início, mas logo escureceu e esfriou. O menino começou a gritar bem alto: - Socorro! Alguém, venha até aqui!

Mas ninguém ouviu; ninguém veio ajudar.

Foi fazendo cada vez mais frio; o braço começou a doer e a ficar dormente. Ele tornou a gritar: - Será que ninguém vai vir aqui? Mãe! Mãe!

Mas ela já tinha procurado pelo menino muitas vezes desde que o sol se fora, olhando pelo caminho do dique até onde a vista alcançava, e decidiu voltar para casa e fechar a porta, achando que ele havia decidido passar a noite com o amigo cego, e estava disposta a ralhar com ele no dia seguinte de manhã por ter ficado fora de casa sem sua permissão.

Peter tentou assobiar, mas os dentes batiam de frio. Pensou no irmão e na irmã, aconchegados no calor de suas camas, e no pai e na mãe queridos. "Não posso deixá-los afogar. Preciso ficar aqui até que alguém venha, mesmo que passe a noite inteira."

A lua e as estrelas brilhavam, iluminando o menino recostasdo numa pedra junto ao dique. A cabeça pendeu para o lado, os olhos fecharam, mas Peter não adormeceu, pois a toda hora esfregava a mão que estava detendo o mar zangado.

"De alguma forma, eu vou agüentar!" pensava ele. E passou a noite inteira ali, contendo as águas.

De manhã, bem cedinho, um homem a caminho do trabalho achou ter ouvido um gemido enquanto passava por cima do dique. Inclinou-se na borda e encontrou o menino agarrado à parede da muralha.

- O que aconteceu? Você está machucado?

- Estou contendo a água do mar! - gritou Peter. - Mande vir socorro logo!

O alerta foi dado imediatamente. Chegaram várias pessoas com pás, e logo o furo estava consertado.

Peter foi levado para casa, ao encontro dos pais, e rapidamente todos ficaram sabendo que ele lhes havia salvo as vidas naquela noite. E até hoje, ninguém se esquece do corajoso pequeno herói da Holanda.

 

(Adaptação do original de Etta Austin Blaisdell e Mary Frances Blaisdell)
(Fonte: www.linkdobebe.com.br)".

 

(http://www.brasileirosnaholanda.com/holanda/heroi.htm)

 

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A seguir, veja-se como recentemente Izabel Liviski recontou a Holanda, em fotografias e palavras, na revista ContemporARTES Online [http://contemporartes-contemporaneos.blogspot.com/],coluna sob responsabilidade da editora-chefe Ana Dietrich, que é doutora em História Social, pela USP.

"Quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Holanda em imagens e palavras

 
Coluna Ana Dietrich



Hoje apresento a vocês a bela e sensível colaboração de Izabel Liviski, nossa consultora da revista, em textos e fabulosas fotos.
Ana Maria Dietrich escreve às quartas-feiras no ContemporARTES.


 
 
JANELAS PARA A HOLANDA

NEDERLAND,
RIMA COM FANTASIA.
ESSA,
A MINHA LICENÇA
POÉTICA.

Conhecer a Holanda sempre despertou em mim um gra
nde interesse e curiosidade. As referências eram muitas: amigos holandeses, a influência que no período colonial os holandeses exerceram sobre o Nordeste do Brasil, as realizações fantásticas de Maurício de Nassau sempre me encantaram. As obras de seus pintores famosos como Vermeer, Rembrandt, Van Gogh e Mondrian também marcaram para sempre em minha memória as aulas de História da Arte. Acompanhava com interesse reportagens sobre a evolução de sua engenharia na luta constante com as águas, sua cultura ao mesmo tempo arrojada e de preservação de valores.
Não é à toa que no brasão do país estão inscritas as palavras: "Je maintiendrai", um teimoso "eu perseverarei", característico de um povo de mentalidade liberal mas também ligado à sua história e tradição.
Em Amsterdã,
a maior cidade planejada do norte da Europa, a beleza convive tranquilamente com o mundo marginal. Os dois lados dessa dupla personalidade estão imbricados, derivando de uma longa tradição de tolerância religiosa filosófica e política.
Quando cheguei ao Aeroporto de Schipol em Amsterdã em um outubro frio e chuvoso, e assim permaneceu quase todo o tempo de minha estada, no início do outono europeu. Despida de idéias preconcebidas do que fotografar, fui andando ao acaso pelas ruas e fotografando cenas comuns, retalhos do cotidiano. Lembrando Walter Benjamin, como uma flanêur eu caminhava pelas ruas de Amsterdã e Rotterdã...
Sabia no entanto, o que eu não queria: fotos convencionais no estilo de revistas de turismo, paisagens e arquitetura deslumbrantes. Queria registrar o cotidiano das pessoas, aprisionar com minha câmera um pouco da alma da cidade. Concentrei-me nas coisas que minha sensibilidade apontava, e aí surgiu a paixão pelas janelas das casas e escritórios e também das vitrines de lojas e vidraças de bares: amplas, decoradas com generosidade. Andando na chuva com minha recém-comprada sombrinha desenhada com folhas de “cannabis”, olhava para as casas através de suas janelas e tudo parecia aconchegante e intimista.
Tornou-se quase uma obsessão fotografar janelas: graciosas, às vezes com grades, extremamente criativas ou até mesmo quebradas, mas em sua grande maioria muito belas. E por extensão, comecei a fotografar toda superfície que espelhasse ou refletisse objetos e luzes: perseguindo poças de água da chuva, vidros de carros, trechos do canal de Singel e até mesmo bicicletas que lado a lado, pareciam uma imagem multiplicada em milhares. Ao fazer a edição do material fotográfico obtido nessa viagem, é que começo a refletir numa perspectiva sociológica, e a pensar na fotografia como uma expressão visual que tem implícito um alto “risco” de subjetividade já que trafega pelo campo da arte, e é tanto uma expressão do imaginário e da consciência social quanto um recurso da sociologia e da antropologia a fim de compreendê-los.
Ou seja, a fotografia contribui para desvendar aspectos do imaginário social e das mediações sociais, introduzindo alterações nos processos interativos, na pluralidade de sentidos que existem na perspectiva do fotógrafo, daquele que é fotografado, e do espectador da fotografia. Como um componente indissociável do funcionamento de uma sociedade que é intensamente visual e intensamente dependente da imagem, a fotografia pode ser tomada como uma representação social e memória do fragmentário, que é o modo de ser da sociedade contemporânea, na tensão entre o que oculta e o que revela.
O fotógrafo imagina, constrói a sua imagem fotográfica, aquilo que quer dizer através da fotografia através do instante fotográfico, da concentração das diferentes temporalidades em um único momento, o chamado tempo da fotografia. Assim, a documentação visual, especialmente a fotografia não pode ser tomada de forma ilusória como um documento socialmente realista e objetivo como ainda querem alguns, ela é muito mais um meio de compreensão imaginária da sociedade.
Assim como se pode falar em imaginação sociológica, pode-se também falar em imaginação fotográfica que nesse caso envolve todo um modo de produção de imagens, como a composição, a perspectiva, os recursos técnicos para escolher e definir a profundidade de campo, e principalmente aquilo que vai fazer parte e o que vai ser excluído do campo visual, enfim todo um modo de construir a fotografia.
Já se disse também que a fotografia é um documento do estranhamento do fotógrafo em relação àquilo que vê, assim sendo as fotografias de rua, que são o locus do meu ensaio, representam um duplo estranhamento, uma intensificação desse sentimento, já que as ruas são espaços nos quais a convivência entre estranhos é maior do que em qualquer outra parte de uma cidade. Como testemunho do encontro físico entre fotógrafo e fotografado no momento da tomada, e pelo estranhamento do fotógrafo em relação ao que vê.
Atrás das janelas que fotografei muitas vezes havia personagens curiosos: o cão dentro de um carro latindo furioso, as crianças em uma escola de arte, o velho acenando dentro do bar. Neste processo vai surgindo uma interação entre observador e observado, e o tema sociológico do ensaio fotográfico: descobrir quem estava por detrás das janelas, quem era o outro. Os vidros, embora transparentes, se interpunham e impediam uma completa comunicação.
Indo nesta direção, termino fotografando minha própria imagem refletida em uma vitrine de uma casa de jogos: nas máquinas vazias, luzes se multiplicavam, imagens se fundiam formando um caleidoscópio. Simbolicamente compreendo que na busca de conhecer o "outro", acabamos buscando respostas para nossas próprias questões essenciais, subjetivas. E as janelas para a Holanda que fotografei não são somente janelas no sentido material, parte concreta de uma arquitetura. Mas antes, representam perspectivas para um duplo conhecimento, para uma compreensão dessa dualidade tão cara às ciências sociais, o individual e o social.

IZABEL LIVISKI ([email protected])











 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
   
 
 
 
 
Referências bibliográficas:
Martins, José de Souza- Sociologia da Fotografia e da Imagem- Editora Contexto,
2008: S.Paulo.
Martins, José de Souza; Eckert, Cornelia; Novaes, Sylvia Caiuby (orgs.)-
O
imaginário e poético nas Ciências Sociais
- EDUSC, 2005: Bauru, SP.
Fabris, Annateresa; Kern, Maria Lúcia Bastos (orgs.)- Imagem e Conhecimento- EDUSP, 2006: São Paulo".
 
 
 
 
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Leia, de Paul Zumthor, A Holanda no tempo de Rembrandt.