Os jornais estão sempre apresentando resultados de pesquisas ditas científicas. Algumas realmente trazem informações não só interessantes, mas também inovadoras. Outras, no entanto, a meu ver confirmam apenas o óbvio. Um dia desses, folheando jornais velhos, encontrei uma matéria desse tipo. A notícia era de agosto de 2010 e a manchete tinha o seguinte título: “Contra o Isolamento”.
Tratava-se de um texto, de duas páginas, recheado de dados estatísticos confirmando o que a maioria das pessoas já sabe: indivíduos sociáveis tendem a ficar menos estressados e se cuidam mais. As informações levantadas pela investigação não deixavam margem a dúvidas: quem tem um círculo maior de amizades tem uma taxa de sobrevivência 50% maior. Além disso, destacava que o isolamento faz tanto mal a saúde quanto fumar quinze cigarros por dia ou ser alcoolista.
Não preciso dizer – ou será que preciso? – que essa pesquisa foi realizada por uma faculdade americana (Brigham Young University, do estado de Utah) e publicada num periódico científico (Plos Medicine) também americano. São os anglo-saxões tentando descobrir a origem das suas neuroses.
E quanto a nós brasileiros? Será que precisamos nos preocupar com o isolamento social?
A cultura e, conquentemente, a sociedade norte-americana – pelo menos aquela que conhecemos por meio dos filmes e dos seriados de TV – tem poucos pontos em comum com a brasileira. Os americanos, de um modo geral, são extremamente competitivos e estimulam desde muito cedo a autonomia e a independência financeira e familiar. Um adolescente americano de classe média assim que termina o hight school (o equivalente ao nosso Ensino Médio) é literalmente empurrado para fora de casa. E, ao que parece, quanto mais longe for a faculdade, melhor.
Esse comportamento não é de todo ruim. Ele torna os jovens mais independentes num menor espaço de tempo e, portanto, mais aptos a encarar o mercado de trabalho. Contudo, os adolescentes americanos, ao serem instados a sair de casa muito cedo, perdem rapidamente o contato mais direto com suas famílias. Não é raro o caso de pais e filhos que só se encontram nas festas de final de ano. Do mesmo modo as relações de amizade. Elas se constroem e desconstroem ao sabor, muitas vezes, das conveniências. As amizades de colégio são substituídas pelas da faculdade (as grandes distâncias forçam isso) e estas são trocadas pelas de trabalho.
Enfim, estou apenas tentando ilustrar que pesquisas realizadas nos Estados Unidos não devem ser aceitas, por nós brasileiros, como se fossem verdades absolutas. Somos diferentes. Muito diferentes.
Os brasileiros são mais gregários. Gostamos de fazer coisas juntos, não fazemos da autonomia ou da independência (financeira ou familiar) um cavalo de batalha. Talvez seja a influência latina. Afinal, fomos “descobertos” pelos portugueses e colonizados em grande parte por italianos e espanhóis. Para todas essas culturas estar perto da família e dos amigos é uma necessidade quase visceral. Ao contrário dos americanos, quanto mais próximos estamos uns dos outros, melhor.
No entanto, isso não significa que não tenhamos de estar alertas aos comportamentos que nos afastam frequentemente do convívio social. Logo, a palavra com a qual temos de ter cuidado não é “isolamento”, mas frequentemente. Ler ou ficar num café, sozinho, observando o movimento, podem ser atividades extremamente prazerosas se a pessoa estiver bem. Somente quando isso se torna motivo de sofrimento é que devemos nos preocupar.
A questão é que isso não é (ou não deveria ser) novidade para ninguém. Lembro-me de minha mãe preocupando-se comigo quando eu insistia em permanecer trancada no quarto pensando sobre coisas que só uma adolescente é capaz de pensar. Para ela, esse tipo de comportamento não era saudável. Intuitivamente ela sabia o quanto eram importantes as relações interpessoais para a minha saúde física e mental. Assim, posso dizer que minha mãe (e, acredito, todas as mães) estava no mínimo 30 anos à frente dessa pesquisa americana.
De qualquer maneira, não estou aqui para desmerecer o trabalho de ninguém. Se essa investigação veio corroborar o que nossos pais e avós já sabiam, ótimo! Vamos usar esses dados científicos a nosso favor. De que modo? Buscando não só uma convivência construtiva e agradável com nossos amigos e familiares, mas também usufruindo, na medida certa, do prazer da nossa própria companhia.