(Miguel Carqueija)

A história única, escrita nos anos 80, de um personagem que não decolou


PERIGO... QUE DELÍCIA!




    Eu me chamo Aaron Leporace e sou francês, de ascendência judia. Embora francês considero-me também cidadão do mundo, pois recebi uma polpuda herança e vivo viajando. Meu verdadeiro “hobby”: o perigo. Sempre tive verdadeira mania pelas situações perigosas, por isso procuro por elas, vou ao seu encontro. Inicialmente tentei esportes perigosos: alpinismo, surf, esqui, pára-quedas. Depois cansei-me um pouco, pois tudo isso não estava me satisfazendo.
    Então resolvi procurar outro tipo de perigo: o da aventura excitante. Em adolescente e nos anos que se seguiram inebriei-me com a leitura das peripécias de Nayland Smith, de Simon Templar, de Arsène Lupin e de Rocambole; depois li também os livros de Karl May com as façanhas de Old Ironhand. Tinha vontade de ser, eu próprio, protagonista de aventuras arriscadas e violentas como as desses personagens. O mundo, é claro, evoluíra, e eu agora podia dispor de recursos que o velho Lupin jamais sonharia. Com um mundo em rápida transformação, as perspectivas de aventura eram muito promissoras.     
    Assim, um belo dia entreguei os meus negócios aos cuidados de meus primos (que me julgavam doido varrido) e parti para o Brasil, país que, diziam-me, era extremamente perigoso. Desembarquei no Rio de Janeiro numa sexta-feira, 13 de agosto, data que me pareceu bastante promissora, e olhei em volta, à cata do perigo.
    Mas antes, deixem-me contar como o meu senso do perigo funcionava, num treino de vários anos.
    Entro num bar em Montparnasse. Ao fazê-lo olho para os lados, mãos nos bolsos do capote, fisionomia carrancuda, lábios apertados. O chapéu de abas largas oculta os meus cabelos e contribui para a dureza da face. Por um momento, ao transpor a porta de vidro, me imobilizo, como à espera de um ataque, certifico-me de que não vem ninguém pelas minhas costas e, movendo o rosto, observo todos os presentes. Aquela mulher de sessenta anos, platinada, por exemplo; ao mexer na bolsa pode estar pronta a sacar uma arma de fogo e disparar contra o meu estômago de uma distância de cinco metros. Que chances eu teria? O garçom, de casaca preta, que se aproxima pela esquerda, com a mão também esquerda porta uma baixela de prata com chá e acompanhamentos; por alguma razão sua mão direita está nas costas. De um bolso secreto poderia tirar um punhal e lançá-lo contra o meu coração.
    Mantive o meu olhar gélido sobre ambos, tentando dominá-los com a força moral, ao mesmo tampo em que, pensando rapidamente, procurei calcular a periculosidade em potencial de cada um dos trinta ou quarenta demais ocupantes do recinto.
    O homem de bigode encerado, a uns três metros da mulher platinada, era o tipo clássico do atirador de bombas.
    — O senhor dá licença, por favor?
    Voltei-me num átimo, enquanto o rapaz recém-chegado, olhando-me de forma estranha, adentrava o local. Seria um terrorista? Seus sapatos deviam ser de borracha no salto, para que eu não o tivesse ouvido.
    Tipos assim, sorrateiros, me dão nos nervos. Decido-me finalmente a entrar. O garçom já passou por mim, sem nenhum punhal visível na mão. Estaria na manga? Consigo chegar vivo a uma das mesas, ainda vazia, e olho para todos os lados, inclusive para a parede às minhas costas, para certificar-me da não-existência de algum buraco de onde pudessem disparar.
    O garçom aproxima-se e me estende o cardápio, que apanho como se pegasse um fio elétrico. Não gosto de tanta presteza, é qualquer coisa de muito suspeita. O garçom me olha de forma estranha, como se quisesse decorar a minha fisionomia. Seria capaz de me reconhecer até, quem sabe, num beco escuro, onde um rápido assassinato possa passar despercebido.
    Passo os olhos distraidamente pelo cardápio e, ao mesmo tempo, estendo o olhar pelos circunvizinhos. Não consigo absorver aquele jovem casal de namorados ou recém-casados, simpáticos, trocando carinhos. Isso é um velho truque de olheiros, detetives particulares, agentes especiais... A quem estarão vigiando? Quem sabe estavam à minha espera?
    — Já escolheu, senhor?
    Endireito-me como se houvesse tomado um choque elétrico. Maldito garçom. Decididamente não tenho tempo para analisar os 38 (parece-me que são trinta e oito, fora os dois que estão saindo e os três que estão entrando) presentes. Para contentar o garçom, peço qualquer coisa. E quando ele se afasta, arrependo-me de imediato.
    Tinha pedido um prato de champignon.
    Antes que ele retornasse eu já batera em retirada.
    Afinal de contas, quem não sabe que existem cogumelos venenosos?