PERDIDOS & ACHADOS – TEMPOS RECIFENSES I
Por Elmar Carvalho Em: 15/03/2013, às 19H33
ELMAR CARVALHO
No começo deste ano, minha irmã Joserita, que foi morar no Estado do Rio de Janeiro faz mais de sete anos, veio finalmente visitar seus pais e seus irmãos. Veio em companhia de duas das três filhas: Clara, uma das gêmeas, e Joélia, a caçula. Ficaram no Rio seu marido Antônio Carlos e Carla, a outra gêmea. Aproveitou para passear em Teresina, Pedro II, em viagem narrada neste Diário Incontínuo, e Parnaíba, onde morou por muitos. Em plagas parnaibanas casara e tivera as filhas.
Fora outros afazeres, remexeu em velhos guardados de meus pais, folheou antigos álbuns de fotografias, e descobriu alguns objetos afetivos, que dávamos por perdidos há muitos anos. Entre essas velhas coisas, de grande valor sentimental, encontrou dois retratos de meus pais, do tempo em que minha mãe devia ter em torno de trinta anos de idade, e meu pai, menos de quarenta. Eles eram nessa época um belo casal, e as fotografias expressam a felicidade e o amor que lhes ia na alma. Eram protegidas por belas molduras, um tanto ovais como as telas; tinham um vidro convexo, que lhes realçava a originalidade e lhes dava certo ar de relíquia e de redoma. Foram postas em novas molduras, e um paspatur lhes acentua o formato ovalado.
Foram tiradas por um retratista, que parecia ter alma de pintor, e que usara a melhor técnica, equipamentos e materiais da época. Os retratos pareciam pintura, e tinham, suponho, retoques de artesanais pinceladas, que lhes emprestavam certo colorido, num tempo em que não se falava em fotografia em cores, embora o velho Cine Nazareth já exibisse faroestes e outros gêneros cinematográficos em tecnicolor, como o senhor Zacarias Lins, proprietário da casa de exibição, enfatizava, quando ele próprio, em sua Rural Willys caiçarina (vermelha e branca), saía pelas ruas de Campo Maior a anunciar as películas.
Na sua saudável mexericagem, a Joserita ainda encontrou cinco velhos cartões postais e um poema manuscrito, de minha autoria, datado de 22 de abril de 1975, quando eu mal completara 19 anos de vida. Com relação ao poema, titulado Recife, eu já o dava por irremediavelmente perdido, e dele recordava apenas cinco versos, que publiquei no livro Rosa dos Ventos Gerais. Nesse livro, na mesma página, coloquei uma versão ampliada e com leves modificações, e uma outra, de cinco versos, que a minha memória registrara fielmente, como agora constatei. Quanto aos cartões, deles já praticamente não me lembrava.
Num dos cartões postais, datado de 31/05/1975, eu comunicava que tudo estava certo comigo, e que, na 1ª etapa do curso de Monitor Postal, feito no Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, em Recife, no Bairro Bonji, minha média geral fora 9. Anunciava meu retorno para o dia 8 de junho, com o curso já encerrado. Acrescentava que “hoje fui eleito, no auditório, como o orador da Turma”.
Em outro postal, retratando a Avenida Guararapes e a Ponte Duarte Coelho, em que se viam propagandas em neon, no alto dos prédios, e as luzes se refletindo nas águas do Capibaribe, com data de 15/05/75, dirigido a minha mãe, eu dizia que fora a visão noturna do Recife que me inspirara o poema que lhe leva o nome. No manuscrito, no verso do cartão, eu confidenciava que “quando eu disse que ia postar um cartão postal (...), uma moça, que não conheço, disse para eu dar” lembranças a minha mãe.
No final, eu pedia que mamãe recebesse as lembranças da desconhecida e as minhas. Fico, agora, tentando imaginar como seria essa jovem, e o que lhe passou pela cabeça e pelo coração, ao ver um garoto, bisonho e interiorano, quase perdido na cidade grande, a postar, com tanto empenho e emoção, um modesto cartão para sua mãe, no guichê de uma grande agência postal e telegráfica. Sem dúvida, devia ser uma moça sensível e boa, para se preocupar com um mister tão singelo e tão sentimental. Devo tê-la visto somente de relance, e apenas por um átimo de segundo. Imagino e desejo fosse também bonita. Contudo, disso jamais terei certeza.