Cunha e Silva Filho

           Esta crônica não tem a pretensão de ser fiel aos dados que por ventura aqui nomeio, mas que existe a cidade existe. Num reportagem da Bandeirante(?) sobre lugares agradáveis de se viver, Pendotiba é um delas.
          Para quem deseja a paz, a tranquilidade, a segurança, o deixar aberta a porta de entrada de sua casa, a população pequena, Pendotiba é o recanto certo e liquído. Tudo nela é paz, sossego, vida simples, lugar onde todos se conhecem uns aos outros. Cidade, na qual conversas entre moradores se prolongam por horas a fio. Ninguém nela tem pressa. Todos ali querem apenas viver sem embaraços sem sobressaltos, sem correrias. Uma vida simplória, sem grandes desejos, sem grandes aspirações. Vida do homem despojado e confiante apenas no bem-estar desse lugar.
          Sempre eu fui um sujeito urbano. O campo, embora o sinta agradável e sadio,  me é quase desconhecido. Um ex-amigo muito inteligente uma vez me falou que jamais deixaria o Rio de Janeiro, com todos os seus graves problemas, por outra cidade do país, quer seja  da área rural, da roça, no campo, do interior ou como antigamente se gostava de anglofilamente afirmar, da “hinterland”.
            Não, ele é um inveterado urbanófilo, alguém que ama a alegria da cidade grande, dos barulhos, das sirenes, dos tumultos, dos engarrafamentos, da poluição, da vida noturna feérica, de tudo que constitui o canto de sereia das metrópoles ou megalópoles.
         O campo, para ele, seria o final do caminho, triste e cinzento. Sua disposição seria, portanto, para enfrentar os embates múltiplos da vida urbana. Do que ele, se não me falha o pensamento, chamava de “loucura urbana.”
         Pindotiba, ao contrário, seria a morte em vida para esse ex-amigo. Não tanto para mim, que, de quando em vez, gosto de espairecer num lugar afastado da trepidação e da multidão urbana, visto que amo os lugares em que todo mundo se conhece praticamente, onde ainda se vê alguém com um sorriso estampado no rosto prodigalizando-nos, de manhã, ao passar pela gente, com um simpático “bom dia.”
       Na grande cidade, esse gesto seria interpretado como uma saudação de alguém com um parafuso a menos. Ora, é exatamente essa humanidade à moda antiga e demodé de trato social que me delicia e me deixa inebriado e ainda confiante no ser  humano. Nem tudo está perdido, falo com os meus botões ao receber de um desconhecido um cumprimento desses. Isso seria  o bastante para ganhar o meu dia naquela cidadezinha perdida e acolhedora.
        A impressão forte que tenho é que a grande cidade se me afigura como se,  de repente, eu estivesse no estrangeiro, como se falassem em uma outra língua ainda que a dominasse.  É tudo tão mecânico, tão formal, tão impessoa,l tão longe do coração e tão perto do cerebral, da lógica, do racional, que me sinto amiúde um estranho dentro do meu próprio país e da cidade que elegi como residência há tantos anos.
        Passamos a pé em dias seguidos pelos mesmos lugares e, nas calçadas, vemos outras pessoas jamais vistas e que igualmente jamais talvez vejamos em nossas vidas. Ah, com tem ser humano na Terra, ou melhor, numa cidade grande, afluente! Na Pindotiba, volto a enfatizar, nada disso acontece.
       A vida dos transeuntes é um livro aberto, uma voz única, um aceno de amor e de compartilhamento entre as pessoas simples, um lugar único, uma experiência não malograda, repetida à exaustão entre pessoas que se conhecem, se respeitam e se admiram. A anomia é algo fora de cogitação nessas pindotibas da vida. Na grande urbe, não, impera a indiferença, o olhar carrancudo dos homens que passam por nós. Quem quer lá saber quem passe por nós! Pindotiba é uma Pasárgada para mim. É lá que terei a mulher que quero na cama que escolherei. Lá sou amigo do rei. Vou-me embora pra Pindotiba.  Aqui não ficarei. Vou-me embora pra Pasárgada, lá encontrarei a filha que nunca tive na terra de Pindotiba. Vou-me embora, sim, pra lá. Talvez lá cante o sabiá.