Pedro sempre tentou ser uma pessoa boa. Filho de pais pobres, família unida, muitos irmãos; nunca passou fome, porém, caviar só sabia do nome. Estudou, das primeiras letras à graduação universitária, passando por especializações, em instituições públicas; aliás, quando criança, ensino bom, era quase regra, acontecia na escola pública; excepcionalmente, havia algumas privadas excelentes, que acolhiam, naturalmente, os bem nascidos e, meio compulsoriamente, àqueles pais de família que já se mostravam cansados de ver seus rebentos levando bomba.
     Desde pequeno mostrava uma aversão singular ao ócio improdutivo. É que nessa fase da vida, não raro, a brincadeira é (e tem que ser assim mesmo) a principal ocupação “profissional” do “homem”. Ajudava os pais, que trabalhavam pesada e incansavelmente para dar a todos os filhos a dignidade dos bem criados, não, colocando dinheiro no caixa da família, mas permitindo que seus velhos utilizassem o que lhe caberia por direito para outras finalidades.
     Aluno aplicado e, mais estudioso que inteligente, foi cumprindo, a seu tempo, o cronograma educacional formal: primário, ginasial (era assim que se chamava o que hoje é ensino fundamental); científico (nível médio, hodiernamente), e depois a universidade, que passou a dividir com o emprego burocrático obtido via concurso público.
     Logo nos primeiros anos de barnabé pôde realizar um sonho que se tornaria recorrente: adquiriu seu primeiro automóvel. Apenas o nascimento dos filhos, outro sonho que acalentava – que a esposa lhe perdoasse as ocasiões em que lhe dissera que sua maior felicidade acontecera no dia do casamento –, foi mais emocionante do que conduzir seu próprio carro.
     Seguindo linhas traçadas pela criação, e que não tentou alterar, casou-se, teve os filhos que almejou e vivenciou todas as alegrias e preocupações a que cada um está sujeito durante a vida.
     Filhos adultos; estabilizado, familiar e economicamente, entrou num estado de tardia adolescência ou de prematura senilidade. A paixão por carros, que parecia ter hibernado durante a fase de crescimento da prole, acordara. Como tinha, então, condição de fazê-lo, comprar um automóvel novo e sempre melhor que o anterior, converteu-se numa obsessão.
     Nem por isso Pedro deixou de ser um cidadão honesto, um profissional aplicado, um pai de família esforçado; no trânsito, entretanto, passou a agir irresponsavelmente.
     Em seus ensimesmamentos, admitia a possibilidade de vir a se arrepender em virtude de sua imprudência e imprecação. Por que tudo aquilo, se possuía uma família unida, um emprego excelente, amigos na conta certa, boa saúde, os veículos que queria e até algum dinheiro no banco? Fato é que não conseguia mudar. Sua impaciência no trânsito havia se tornado ação involuntária Tentava não ficar irritado, porém, não conseguia diante daqueles indivíduos que não se portavam adequadamente no comando de seu automóvel. Esse inconformismo não somente o fez cometer várias sandices nas vias públicas que, por sorte, não redundaram em graves acidentes; na verdade, em raras situações, foi vítima ou algoz de alguns deles, fê-lo esquecer de que o tempo é um professor que aceita nossos erros, na esperança de que possamos corrigi-los.
     Naquele dia, a estupenda velocidade e potência de seu novo automóvel fizeram com que se envolvesse em um.  Hoje Pedro já não é aquele motorista afoito, tampouco, um sujeito sempaciência.  Não é mais o pai amoroso, esposo dedicado; nada disso. Ele saiu de cena, abandonou o trânsito caótico e estressante. Pedro não corre mais, nunca mais.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense ([email protected])