Passemos o Brasil a limpo
Por Cunha e Silva Filho Em: 10/01/2013, às 12H54
Cunha e Silva Filho
Gosto de conversar muito com pessoas que me caem na simpatia. Não chego ao exagero altruísta da grande e maravilhosa poeta brasileira Cecília Meireles (1901-1964), que segredou uma vez, ou melhor na última entrevista que concedeu a alguém, ser ela uma apaixonada pelo ser humano. Tão magnânima era sua afeição às pessoas que chegava a afirmar que amava até pessoas que nunca tinha visto na vida! Que desprendimento da autora de Romanceiro da Inconfidência! (1953)
No tempo em que entrei para a universidade a fim de cursar letras, Cecília Meireles foi um do autores que constavam para temas de seminário e de trabalho escrito de final de semestre. A mim coube analisar um poema dela. Foi aquele o primeiro contato mais profundo que tive com a poesia de Cecília. Lembro-me de que fiz uma análise “apaixonada”, segundo me comentou por escrito a minha professora de teoria literária, Selma Sanders (onde andará ela?)na época uma jovem e bela professora, alta, elegante, de cabelos louros e de feições europeias. Era uma das assistentes do poeta, crítico e ensaísta Augusto Meyer (1902-1970). Este revezava com ela proferindo magníficas aulas-conferências. Com Meyer, aprendi a ter um olhar diferente e mais abrangente do fenômeno literário, sobretudo da poesia.
Foi um privilégio haver assistido às conferências desse mestre e erudito. Algumas palavras, lembradas ao acaso: “A literatura sofre influências de todos os lados”, com se quisesse dizer nada lhe escapa ao raio de ação. Suas palavras, sua voz de gaúcho, seu corpo esguio e, seu porte alto, de feições germânicas, ainda me ressoam no pensamento e na visão esfumada pelo anos. Parece que estou vendo aquela figura sóbria e discreta entrando no anfiteatro para mais uma palestra. Era no início do ano de 1966, local: Faculdade Nacional de Filosofia,.
Após estas relembranças, passemos a enfocar o tema geral desta crônica, que é dar um olhar para o início deste ano de 2013, que não me parece ter começado bem, sobretudo pelo calor insuportável de mais de quarenta graus e pela tragédias das inundações ocorridas no estado do Rio de Janeiro. Desta vez, a raiva das águas se virou para Xerém, um distrito de Duque de Caxias, perto da subvida para a linda cidade de serrana de Petrópolis.
Não preciso repisar o déjà vu dessa tragédia anunciada que, ano após ano, flagela impiedosamente os moradores fluminenses.Segundo um antigo morador desse distrito, nunca houve tanto volume dágua descendo do alto e subindo praticamente pelo bairro todo, deixando atrás de si só destruição, pessoas desaparecidas, pessoas mortas, enfim, uma população que perdeu tudo que tinha: casa, móveis, eletrodromésticos, documentos, mantimentos. Mais parecia um terremoto a tromba dágua que se abateu sobre Xerém, lugar que conheci nos anos setenta quando lá lecionei em colégio estadual. Sei que deixei muito alunos que ainda provavelmente moram ainda lá e são hoje adultos, pais ou mães de famílias, quem sabe, até avós.
As inundações no estado do Rio de Janeiro poderiam ser contidas ou reduzidas caso os governos, governador e prefeitos, juntos se dispusessem a equacionar estratégias de tal sorte que os desmoronamentos não atingissem tal magnitude de provocar grandes perdas humanas e pertences das famílias assoladas pela fúria das águas, da lama, e da subida do nível das águas cobrindo até os tetos das habitações. Os rios viram mares, as margens desaparecem, se alastrando e levando de roldão tudo que encontram em seu caminho. É um quadro terrível, que lembra também, assim que as águas baixam, uma cidade arruinada por um terremoto. Deveria haver, em cada estado, um secretaria contra os acidentes da natureza, os quais não são causados só por esta mas pelas condições de terrenos em que se constroem habitações nos bairros e cidades do Rio de Janeiro.
Não existe por parte do governo estadual ou das prefeituras municipais uma política séria e responsável que, além de ter que fiscalizar com rigor o uso do solo inadequado para construção de moradias simples, tem a obrigação gerencial de se acautelar, antecipando-se aos flagelos das inundações, com sistemas de alarme que sejam acionados a tempo de a população poder se retirar da iminência do perigo. Os governos que temos tido sequer utilizam as verbas federais destinadas a prevenções de acidentes naturais. Usam o mínimo possível dos recursos disponíveis e, ao contrário, são céleres em dar prioridades a outras obras, como , só para mencionar uma, a reforma do Maracanã, que está custando fábulas de dinheiro que seria útil nas reformas e reequipamentos de hospitais, na melhoria da segurança da sociedade e da educação pública, que está em níveis cada vez mais baixos no que concerne à qualidade do ensino.
O flagelo das águas em alguns estado brasileiros é tão perverso quanto o das secas do Nordeste. São dois males crônicos do país. Se perpetuaram e se tornaram uma segunda natureza para a insensibilidade de nossos sucessivos governos. Decididamente, não interessa aos nossos governantes e políticos encontrarem um remédio eficaz para enfrentarmos esses dois ciclos, o do excesso de água e o da falta de água. Vários países do mundo já reduziram o problema da seca. Por exemplo, países que se localizam em áreas desérticas já se tornaram férteis, produzindo alimentos e desenvolvendo boa agricultura graças aos modernos recursos técnico-científicos de que dispõem seus governos.
A questão das inundações desencadeadas por chuvas torrenciais e o polígano das secas(Onde está o DNOCS?) não são uma sina, algo da fatalidade de um país. Se a chamada e eufemística “vontade política” encena alguns gestos e pequenas ações determinadas pelos governos, o tratamento dado a esses desastres físico, humanos e materiais,se faz de forma paliativa, emergenciais.Não há desejo de que os grandes males crônicas sejam resolvidos ou se aproximem de ações efetivas. Há ainda a questão de um outro mal, a corrupção, o superfaturamento, a desídia. As mortes de pobres não comovem mais os governos. Resolver a questão social brasileira mobilizando maciçamente todas as suas esferas dos governos federal e estaduais e municipais não daria mais votos a profissionais da política minúscula nacional. A grande sacada da inoperância e má administração são os remendos, as correções pontuais, não o ataque a fundo contra os males crônicos que remontam a priscas eras, do Brasil Colônia, passando pelos dois Impérios, atravessando a República Velha e atingindo os nossos tempos atuais.
Deslocando-nos para a política propriamente dita, a paisagem por vezes parece um teatro de comédia ou de ópera-bufa, que, aliás, nos lembram tempos recuados como o período em que Martins Pena. Na verdade, o Brasil literário refrata o Brasil político-social. Ler autores como Gregório de Matos, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis (ficção e crônica), Lima Barreto, Euclides da Cunha, João Antonio, em muito nos ajuda a entender o que somos e o que fomos. É claro que não podemos também deixar de ler alguns grandes autores e teóricos como Oliveira Viana, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Sérgio Buarque de Holanda, Tristão de Athayde, Celso Furtado, para só citarmos uns poucos que se debruçaram a estudar o Brasil e seus problemas com seriedade e competência.
Veja-se o caso do Mensalão. O STF, na sua grande maioria, fez acusações, julgou, aplicou as sentenças, passou por todas as etapas que a Lei lhes permitia. No entanto, até agora, o destino dos sentenciados ainda não foi deliberado e os mandados de prisão não foram emitidos pela Suprema Corte. Um acusado, que compõe o grupo político dos Mensalão, até já tomou posse de uma vaga na Câmara dos Deputados. Criou-se, assim, um vazio na ordem dos poderes, ou seja, o Executivo aprovou o preenchimento da vaga e o STF não sabe o que via decidir. Além disso, o Supremo fez recuos contraditórios com relação a alguns acusados e penalizados – é claro – ainda no papel, sobre questões de anos de pena em prisão fechada. O debate entra na discussão dos chamados recurso interpostos que devem ser esgotados a fim de que as condenações culminem com as prisões dos julgados. Sinto no ar o cheiro de protelação, hábito muito enraizado no povo brasileiro, que , uma vez, foi motivo até de uma boa crônica cheia de humor de Paulo Mendes Campos (1922-1991). Como sou paciente, estou dando alguns descontos aos membros da Corte brasileira que, espero, não decepcionem o nosso povo e a imagem do país lá fora.
Vejo-me compelido a falar mais uma vez da escalada de violência nas cidades brasileiras, com ônus maior para o eixo Rio-São Paulo. Para quem acompanha notícias desse tema, é preciso falar igualmente da violência entre pessoas que não são traficantes nem marginais. Trata-se da violência derivado de relacionamento amoroso, de traição, de ambição por herança, de estupros no seio da família, na rua, enfim, violência que mais depende de uma reeducação moral da sociedade, de desenvolvermos, desde o período infantil, os bons e saudáveis hábitos de convivência, de respeito, de solidariedade, de civilidade, qualidades do relacionamento humano que está num ponto mais baixo em termos de valores éticos e comportamentais.Os crime passionais, os crimes hediondos estão em ascensão entre nós.
Para tudo isso deve-se mobilizar a sociedade no sentido de exigir das autoridades melhor educação, saúde, segurança, lazer e oportunidades de progredir social e culturalmente. O populismo dos dois últimos governos não vai resolver todas essas questões cruciais para termos uma pátria da qual possamos nos orgulhar e na qual possamos confiar na esfera da cidadania e da convivência em sociedade. Não é distribuindo o dinheiro público para qualquer tipo de assistencialismo a estudantes, com bolsa disso , bolsa daquilo, que o atual governo “de esquerda” vai sanar a questão da incultura nacional. È na distribuição dessas bolsas que muitos oportunistas até de classe mais favorecida veem a chance de serem fraudulentamente incluídos em tais programas .... Lá fora, em países adiantados, sobretudo da Europa, dos Estados Unidos e até asiáticos, como a China, alguns leitores lêem em português, nas diversas colônias de brasileiros espalhados pelo mundo. Com a globalização dos meios virtuais, será mais difícil a um país fazer propaganda enganosa como fazem os países de regimes totalitários.