Chegamos ontem de viagem – minha mulher, meus filhos e eu – para passar uns dias na casa de meus pais. Estou animado, cheio de curiosidade, pois faz algum tempo que não venho à minha terra. As crianças estão radiantes: prometi a elas que hoje iríamos ao rio e lhes mostraria os locais em que eu brincava na infância. 
      O sol já abriu o olho de fogo sobre a cidade. De casa até o rio, descemos pelo Beco do Zé Piauí; o calçamento termina no fim da primeira quadra. Logo na entrada do beco, percebo a mudança: no lugar da roça do Elói e, à direita, onde ficava um monturo, novas ruas foram construídas.  Em poucos segundos, vem-me a imagem bizarra de que os calangos que ali caçávamos jazem sob a pavimentação. Por causa do arruamento o beco se encolheu como um braço que se lhe precisou amputar a mão. 
      Mais à frente, desapareceu a roça do Baínha com sua plantação de capim. Do lado direito, por trás do casario, terá a roça do Lourenço sobrevivido às alterações do tempo? Lá existia um curtume. Revejo, de memória, as peles mergulhadas no molho ocre dos tanques de cimento, e sinto penetrar-me nas narinas o cheiro forte de couro curtido. Do lado esquerdo do curtume, no declive da ribanceira do rio, havia uma alameda de cachorro-pelado formando um túnel. Nesse local escondido, fumávamos cigarros de talo de bucha ou de mamona.
      Em dez minutos, caminhando devagar, descortina-se o rio. A ribanceira se achatou com o correr dos anos. Ela parecia mais alta aos meus olhos infantis. Ou foi a ponte de concreto – a passagem molhada – que lhe rebateu a altura e lhe tirou o encanto primitivo? No seu topo, a casa do Zé Piauí é apenas um espectro: o matagal cresce livremente entre suas paredes invisíveis.    
      O leito do rio está tomado de vegetações aquáticas, marimbus, calumbis, juncos, salsas e miasmas. O rio aqui não é mais o mesmo, ele parece sufocado. Ao me deparar com esta realidade, um leve tremor me inquieta a alma. Cadê os poços onde banhávamos quando crianças? Cadê as valas que faziam a água escorrer no seu curso? O rio está doente! Para que serve a barragem do Jenipapo? Não é para torná-lo caudaloso, vivo e piscoso? Na cidade e em outras regiões aonde ele passa, abaixo da barragem, não se vê nenhum benefício a lhe irrigar o curso d’água.
      Antes, em seu leito, após a vazante, jogávamos bola na areia molhada. E, em época de estiagem, os ribeirinhos faziam hortas, cercando-as com garranchos de marmeleiro. Isso não nos impedia de furtar hortaliças, tomate, pimentão, coentro ou cebola. O Gato Mourisco, dono de uma delas, ficava bravo e se queixava aos nossos pais.