Sentimos a crise do paradigma sociocultural da Modernidade, sob os efeitos, portanto, do colapso das expectativas. Numa visão retrospectiva, temos que o Romantismo entronizou o individualismo e as manifestações subjetivas do “eu”, disposição do espírito que passou às vanguardas e ao Modernismo.
Mas, nas várias circunstâncias, o paradigma se exprime sob a forma de um cânone que pode ser considerado como sua fração menor.
Na fase atual da poesia brasileira, o que se nota é um aspecto mais fragmentário do que na era do culto do “eu’, de vez que a crise do paradigma representa a erosão do sistema literário. Deste modo, desligado do cânone e desfeito o sistema da literatura, o poeta se sente numa espécie de aurora da gênese, ou seja, liberto de qualquer regra ou convenção literária.
Todavia, como a arte é comunicação e, de certo modo, intersubjetividade, reconstituíram-se certas práticas tribais no dorso do grande gigante urbano. Pequenos núcleos, pequenas publicações, revistas e jornais, acolhem grupos emergentes ante a inércia cultural dos grandes veículos da imprensa, comandados pelo mercado e pela indústria do lucro. Nada há de inocente ou experimental na grande imprensa, mas o desmonte programado das práticas não utilitárias. O pior é que as universidades espelham-se nos jornais capitaneados, quase sempre, por jornalistas e escribas “funcionais”, prisioneiros das regras elementares do sensacionalismo comercial.
E os poetas? Distinguem-se por duas vias tradicionais: o apuro técnico e o respeito pela tradição. Quando leio poetas como Marco Lucchesi, Ivan Junqueira, Armando Freitas Filho, Luiz F. Papi, Lêdo Ivo, Ferreira Gullar, Affonso Rommanno de Sant’Annna, Marina Colasanti, Foed Castro Chamma, Hilda Hilst, Renata Pallottini, Dora Ferreira da Silva, Mário Chamie, Lenilde Freitas, Marcos Accioly, César Leal, Majela Colares, Virgílio Maia, Francisco Carvalho, Jorge Tufic, Nauro Machado, Arlete Nogueira da Cruz, José Chagas, João de Deus Paes Loureiro, Ruy Espinheira Filho, Ildásio Tavares, Miriam Fraga, Sérgio Castro Pinto, Marcos de Farias Costa, Carlos Nejar, Dois Santos dos Santos, Leonor Scliar-Cabral, Alcides Buss, Manuel de Barros, Raquel Naveira, Aricy Curvello, Yeda Prates Bernis, Adélia Prado, Edimilson de Almeida Pereira, Alberto da Costa e Silva, Stella Leonardos, Roberto Piva e tantos outros do mesmo nível, convenço-me da diversidade de manifestações, mas de consciência literária da melhor qualidade. Todas ausentes de um cânone. Ficam de fora centenas, senão milhares de poetas, lúcidos alguns, muitos ingênuos, distantes todos de qualquer classificação tendencial. Em suma, o panorama da poesia brasileira contemporânea assemelha-se a uma imensa constelação de estrelas solitárias, cada qual com o seu brilho e a sua trajetória.
Fábio Lucas é escritor, crítico, membro da Academia Paulista de Letras e Presidente do Conselho da União Brasileira de Escritores. Ex-Diretor do Instituto Nacional do Livro. Apontado como um dos mais importantes críticos e conferencistas internacionais de literatura brasileira.