Palavra e abraço (ou foi bonita a Fresta pá!)
Em: 26/07/2017, às 11H11
Passavam das 20 horas de domingo e o Lions Bar estava aberto, falava-se de literatura. Vejam bem, não era um evento musical, era literatura, num bar do centro da cidade em pleno domingo a noite. Ao fim da mesa, exaustos, não sabíamos o que fazer: fechar o bar com o resto da galera dentro, fechar o bar com a turma do lado de fora, tomar mais algumas saideiras, pedir o uber ou táxi ou ficar ali mesmo, olhando a fachada do bar e percebendo a solidão da Rachel no banco da praça. Sonhávamos com Mário Gomes, contemplando seu céu de estrelas, doídos feitos os poemas de Miró e Erickson Luna. O scoth não desce como a cachaça.
Reaprendemos com Fernanda que essa cidade está em disputa, essa e tantas outras; Fortaleza, que é Recife, que é Teresina, que estão absurdamente em chamas. Sobrevivem, é claro, imaginadas em nós, suspensas no encontro, aladas em nosso universo simbólico, remanescente nos crush, nas crônicas, nos zines, nos passos trôpegos dos bêbados confusos que perfumam a cidade. O centro é um grande encontro. O centro é dentro da gente. O centro é um umbigo.
A Fresta Literária nasce mesmo da premência do encontro e do confronto. De uma vontade enorme de viver essa cidade que é amor e ódio, a cidade onde a Pedro I encontra a Padre Mororó, todos os dias há dia e noite nessas esquinas e a fresta acontece ali, entre o dia e a noite, num momento entre o sorriso e o susto, o choro e a o soluço, o amor e o desamor. Quando ela se abre a gente reinventa a vida, no escuro, feito os negros que chegaram no brasil vivos no pulmão que respirava e mortos em sentido.
Foi muito especial ter visto tanta gente que admiro, quero bem e acompanho. Tanta gente que queria conhecer, abraçar e conversar, tanta gente que queria ver de perto, feito as bombas de Pedro em pleno sábado de brisa na praça, pedindo amor coragem e dizendo que era preciso confiar nas lagartas. Tanta gente como o professor Dilson Lages ou Airton Uchoa em chamas, tanta gente como Raymundo Netto e suas crônicas absurdas. Aprendi com bêbados que se misturam à mobília, profissionais da picardia. Aprendi com Julio Lira, aprendi com Ethel, Kelmer, André Telles do Rosário, sujeito de tantos poetas dentro dele, né?
Aprendi com a contemporânea poesia cearense, Jangurussu e Conjunto Ceará, B1 e Corpo Sem Órgãos, fúria e amor rimam nas palmas do baticum, sacaram isso? As leitoras públicas e a importância da poesia delas, do útero e o fato, a poesia das mulheres que detém o saber do mundo. Eu as via e lembrava, feito dança, dos corpos negros ao redor do fogo, um jongo de palavras que ia e vinha enquanto a gente delirava, no bar, no centro de Fortaleza, na ponta mais perto do resto do mundo e as vezes tão longe do resto da gente. CAROLINA DE JESUS. Punhos cerrados no ar. É Nóis de Teatro.
Alan Mendonça, militante das letras, amizade que se configura no labor de tentar brigar pela literatura cearense; mate-me logo, a tarde, as seis... Mestre querido professor Sandes, Demitri e Iana, em bloco, fechados, voz dos que aprenderam a educar os olhos pra sacar fortaleza dentro e fora. Aprendi com Joaozinho, da Revista Berro, que “a gente tem que ir atrás do que faz sentido, alê” mesmo quando atrasamos tudo e perdemos o controle do tempo, embora saibamos todos que o tempo é incontrolável, feito os dragões que o mesmo joaozinho matou no microfone. Foi bonito pra muitos e pra gente também, porque não sabíamos o que diabos ia acontecer, o evento não foi nosso, não mesmo.
Não posso deixar de falar dos expositores, que foram grandes parceiros, do apoio que a Secult deu, aliás, falar da Milady Flores, que quando leu o projeto e sorriu me fez acreditar valer a pena e claro do Lions Bar, que nos acolheu aconchegando nossos sonhos e foi teto para nossas tramas. Foi lá no Lions que vi, mais uma vez, Uirá e sua música e poesia, coisa que me encanta e revira. Foi ali naquele salão interno. Bem ali no centro da cidade, essa cidade quente pra caralho, viva e morta, dentro da gente.
Até a próxima,
Alexandre Greco – Coletivo Alumiar
Na foto, os cronistas e romancistas Raimundo Netto, Dílson Lages e Airton Uchôa.