A Lagoa Grande é um presente dos céus. Rodeada de morros, vicejam em suas margens algarobas, juazeiros, carnaubeiras, sarças e unhas-de-gato. Em suas águas vivem o surubim, o piau, a traíra, a piranha e a curimatá, tanto a de carne amarela como a de carne branca. A de carne amarela, para quem não sabe, é a mais gostosa. Ah, o peixe da lagoa, retalhado, salgado, secado ao sol, fritado na gordura de porco!
     
      Chegando à cidade, ao descer a ladeira da Serra, vislumbramos por entre os morros azulados, lá longe, a faixa azul de suas águas misteriosas. A impressão que temos é que aquela paisagem não é natural, que aquilo é uma pintura, uma paisagem desenhada pela fantasia de uma criança.
     
      Apesar de submersa no esquecimento, a lagoa permanece no inconsciente do povo. Correm estórias e lendas sobre ela. Dizem que é encantada. O certo é que, noutros tempos, quando a cidade era menor e não havia muitos recursos de sobrevivência, ela foi a tábua de salvação, uma verdadeira mãe dos pobres.
     
      Em época de seca, no momento em que a safra de milho, feijão, mandioca ou arroz falhava e as dificuldades aumentavam, os pescadores acampavam em suas margens para pescar com tarrafas, anzóis e enganchos.
     
      Os mais velhos contam que ali era uma malhada de gado e que, num belo dia, milagrosamente apareceu aquele mundão d’água. De um simples pasto de animais, a lagoa transfigurou-se em mágica. E a fantasia das pessoas foi se reinventando ao longo do tempo: pescadores já viram carneiros de ouro pastejando nas encostas dos morros, já pescaram com a mãe d’água sentada na proa da canoa...
     
      Na beira da lagoa, jaz um bloco de pedra conhecido por Pedra Caída. Reza a tradição que dentro dele estão guardadas muitas riquezas, e que para abri-lo, é preciso achar a chave do segredo, escondida nalgum recanto das águas. Há pescadores que sonham puxar na rede a tal chave encantada.
     
      Contam que um pescador estava ao lado da pedra e uma bola de ouro, brilhante, veio girando em sua direção. Ele a pegou e a colocou na capanga. Com usura, apanhou seus apetrechos e correu para a cidade a dar a notícia alvissareira a todos que encontrava no caminho. Quando chegou ao lar, com as pessoas se aglomerando ao redor, qual não foi a decepção do pescador ao entornar a capanga para mostrar o tesouro! O que se viu caindo no chão, diante dos olhos risonhos do povo, foram umas chumbeiras de anzol, uns corrós que ele tinha pescado e um muçum, que até hoje ninguém sabe como se meteu naquela capanga!
     
      São muitos os contos, as lendas da lagoa. No altar da Igreja, a imagem de São João Batista ostenta uma pedra na mão estendida. Segundo a crença popular, se a pedra for retirada da mão do santo, a lagoa secará, e secará também o infeliz que fizer esta desdita. Até agora ninguém se atreveu a ficar seco igual aos deliciosos peixes da lagoa.     
     
      Mas, nestes tempos modernos, não se dá valor a essas histórias fabulosas. Não sei se o jovem sanjoanense sente a mesma magia que sentimos quando lembramos da Lagoa Grande, ou quando, chegando à cidade, ao descer a serra, avistamos de longe aquela paisagem azulada que mais parece uma aquarela de criança.