Igreja Matriz de N. Sra. dos Milagres, em Milagres, Ceará.
Igreja Matriz de N. Sra. dos Milagres, em Milagres, Ceará.

Reginaldo Miranda*

Foi um clérigo que exerceu indiscutível influência na vida religiosa e social de Oeiras e do Piauí como um todo, nos últimos três lustros do século XVIII e primeiros do século XIX. Natural do Ceará, desde sua chegada a Oeiras aparentou-se aos Rego Castelo Branco, de quem, de fato, era primo tendo esse parentesco se estreitado através do casamento naquela família de dois sobrinhos[1] que trouxe consigo. Por essa via passou a fazer parte do grupo político do ajudante Antônio do Rego Castelo Branco[2], caudilho que liderava a política piauiense naquele período.

Nasceu o padre Mathias de Lima Taveira, cerca de 1738, no sítio Tabocas, à margem do Riacho dos Porcos, no termo de Milagres, na vizinha capitania do Ceará. Filho do homônimo capitão Mathias de Lima Taveira, rico fazendeiro, nascido cerca de 1696, em Campo de Lima, freguesia de N. Sra. do Paçô[3], concelho de Arcos de Valdevez, arcebispado de Braga, de onde veio para a Bahia ainda menor, em companhia de um irmão mais velho, Manoel da Costa Lima Taveira[4], homem de negócios que fez fortuna em Salvador e foi familiar do Santo Ofício. Depois de trabalhar por algum tempo no comércio de fazenda seca com o irmão, o bragantino Mathias de Lima Taveira[5] apura seus haveres e muda-se para o Ceará, onde se estabelece com criação e comércio de gado. Segundo as diligências feitas pelos comissários do Santo Ofício, no processo de habilitação do irmão, eram eles filhos e netos de lavradores do Alto Minho, legítimos cristãos velhos, limpos de sangue e de bom procedimento[6]. Em 14 de novembro de 1736, na freguesia de Nossa Senhora da Expectação do Icó[7], por procuração, casou-se com dona Joana da Silva, natural da antiga freguesia de São Pedro Gonçalves do Corpo Santo, em Recife, filha dos pernambucanos Alonso Marreiros[8], dono de cartório em Icó, e Joana Maria da Silva. De seu casamento teve ao menos dois filhos: o padre homônimo, ora biografado e o capitão-mor Luís Marreiros da Silva[9]. Faleceu o capitão Mathias de Lima Taveira, em 20 de agosto de 1750, em seu sítio Tabocas, termo de Milagres, sendo sepultado na capela de Santo Antônio da Missão Velha. Já sentindo se avizinhar a indesejada das gentes, três dias antes do óbito mandou lavrar testamento em que legava aos seus descendentes suas terras e gado.

O padre Mathias de Lima Taveira desde criança foi designado para a vida eclesiástica, seguindo o costume das famílias tradicionais da colônia e do império, de designar um filho para o sacerdócio. Tendo iniciado seus estudos com os genitores, como era costume na época e com mestres convidados na própria fazenda, depois prosseguiu na vila de Icó. Concluídos os estudos iniciais foi mandado para o Seminário de Olinda, onde sob os cuidados de seus parentes maternos aprimorou sua formação intelectual, aprofundando os estudos de latim, filosofia e teologia, ao final dos quais ordenou-se sacerdote, cerca de 1763, com aproximadamente 25 anos de idade.

De volta ao Ceará iniciou vida sacerdotal na região de seu nascimento, como pároco de algumas freguesias do interior cearense. Em seguida, mudou-se para a freguesia de Santo Antônio da Manga do Paracatu, em Minas Gerais, onde passou a exercer o sacerdócio e foi perseguido pelo Santo Ofício. Preso sem provas no ano de 1780, fugiu da prisão, sendo o processo posteriormente arquivado[10].

Muda-se, então, para a freguesia de N. Sra. da Vitória da cidade de Oeiras, no Piauí, onde passa a atuar como coadjutor[11], ao tempo do paroquiato do padre Dionísio José de Aguiar, com quem desde cedo passa a desentender-se. No entanto, nunca mais se afastou dessa cidade, nela exercendo o ministério eclesiástico até o fim de seus dias.

Foi também nomeado para o cargo de vigário geral forense, que então se criou com poderes mais amplos do que o dos antigos vigários de vara, sendo responsável pelo contencioso no juízo eclesiástico. O aumento da população do Piauí, 37.044 almas, conforme aferido no censo demográfico de 1783, somado à grande distância da sede do Bispado, em São Luís do Maranhão, obrigaram a tomada de medidas tendentes a otimizar a burocracia do juízo eclesiástico naquelas paragens longínquas. Com essa mudança na estrutura de atuação foram ampliadas as funções do antigo vigário de vara, responsável pelo julgamento de causas menores nas freguesias mais distantes da sede do Bispado; eram também atribuições dos vigários de vara tirar devassas, receber denúncias, fazer sumário de crimes de sacrilégio cometidos em lugares sagrados ou contra clérigos das freguesias de sua jurisdição e proceder contra os desobedientes em qualquer matéria de seu ofício, fazendo auto e inquirição de testemunhas; poderiam também tomar contas de testamentos, passar monitórios e dar sentenças de prisão de até 10 dias, entre outras atribuições; nas causas relativas ao sacramento do matrimônio, os vigários de vara poderiam apenas fazer perguntas aos nubentes, porém, nesse e em outros casos de maior gravidade era imprescindível que os autos processuais fossem remetidos para a sede do Bispado, onde seriam julgados no Auditório Eclesiástico. Então, com a criação da Vigairaria Geral Forense do Piauí, esses poderes foram ampliados constituindo-se num verdadeiro Auditório Eclesiástico em miniatura, no dizer de Pollyanna Gouveia Mendonça[12], mas subordinado ao vigário-geral do Bispado, que poderia rever os julgados, em grau de recurso. Os poderes do vigário geral forense eram bem mais amplos, podendo ainda, além dos já mencionados, conhecer as causas crime em flagrante delito, procedendo à prisão do infrator; receber denunciações de pecados públicos por acusação do promotor, ou de legítimo acusador, e dar livramento às partes; conceder cartas de seguro aos criminosos; passar cartas de excomunhão por cousas furtadas ou perdidas; e benzer todos os paramentos necessários ao culto divino, entre outras atribuições. 

Por esse tempo, a qualificação do biografado na abertura de um processo iniciado em 1796, diz dos cargos que acumulava e do território de sua jurisdição: “O Reverendo Mathias de Lima Taveira, Presbítero secular, Vigário Geral Forense, Juiz dos Casamentos, Resíduos e Justificações nesta cidade de Oeiras e toda a sua comarca e capitania de S. José do Piauhy até São Bento das Balsas além do rio Parnahiba, tudo pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor Governador do Bispado do Maranhão”[13]. Eram, portanto, amplos os poderes exercidos pelo padre Mathias de Lima Taveira, no Piauí e sul do Maranhão, então anexado em alguns aspectos a Oeiras.

Em 1787, esse vigário geral forense se encontrava devassando ao padre Dionísio José de Aguiar, então vigário colado de Oeiras. Em 15 de março desse indicado ano o ouvidor-geral José Pereira da Silva Manuel, escreve à rainha intercedendo em favor do investigado e pedindo que se procedesse a nova devassa para apuração da verdade. Ao mesmo tempo o ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, pede à rainha seja a devassa ratificada por provisão real. Porém, em sendo mais tarde anulada a devassa, ordenou o vigário geral forense fosse ao investigado entregue a paróquia[14]. Nesse mesmo tempo chega a Oeiras, frei Cosme Damião da Costa Medeiros, assumindo como lente de gramática latina e coadjutor, ao lado do padre Dionísio Aguiar, estando os dois ouros vigários do lugar arredios por fruto de cabalas: Mathias de Lima Taveira e Francisco Pinto. A igreja em Oeiras vivia uma divisão interna, com desentendimentos entre os clérigos. Nesse mesmo tempo, por ordem do governador do Bispado, foi autorizado ao vigário geral forense, Mathias de Lima Taveira, instalar sumário de culpas contra o referido frei Cosme Damião. Esse frei foi preso em São Luís, em dezembro de 1790 e enviado para Lisboa, à ordem daquele governador do Bispado, dando entrada no cárcere de custódia da Inquisição de Lisboa, em 23 de março de 1791. Posteriormente, frei Cosme Damião foi inocentado e reassumiu suas funções em Oeiras[15].

Com o assassinado do advogado Antônio Pereira Nunes, alvejado com dois tiros de bacamarte, às 11 horas da noite de 13 de setembro de 1803, durante um jogo de carteado, foi a cidade de Oeiras sacudida por uma onda de intrigas e acusações infundadas. Entre os acusados sem provas, de autoria intelectual do homicídio estava o padre Mathias de Lima Taveira, ao lado de seus parentes Antônio do Rego Castelo Branco e Antônio Pereira da Silva, assim como do coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar e do ouvidor José Pedro Fialho de Mendonça[16].

Por esse mesmo tempo estava pleiteando a cadeira de gramática latina de Oeiras.

Porém, não demorou a falecer o vigário geral forense Mathias de Lima Taveira, já não existindo em 29 de março de 1809. Deixou, porém, seu nome ligado ao Piauí, terra que adotou como sua e na qual prestou relevantes serviços. Deixou também família, vez que trouxe dois sobrinhos que se casaram em Oeiras, ambos gerando notável descendência, os Marreiros[17], do Piauí.

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*REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 

 

 

 

 

 


[1] Deram origem à família Marreiros de Castelo Branco, com importante contribuição ao Piauí: Lourenço Antônio Marreiros da Silva Costa Lima, casou-se com Mariana Angélica de Menezes Castelo Branco, deixando grande geração; Não sabemos com quem casou-se o outro sobrinho, Luiz Marreiros da Silva (2º), mas seu filho Luiz Benvindo Marreiros da Silva vai casar-se com Thereza Leopoldina Marreiros de Jesus, também da família Castelo Branco, com vasta geração.

[2] Neto materno do capitão-mor Gonçalo de Barros Taveira, natural de Ponte da Barca, freguesia contígua à de Paçô, terra do capitão Mathias de Lima Taveira, sendo, assim, parentes muito próximos.

[3] Essa freguesia tem cerca de 436ha de área, sendo separada da freguesia de Ponte da Barca, apenas pelo rio Lima. Essa última é terra natal de Gonçalo de Barros Taveira e de Manuel de Araújo Costa, dos primeiros colonizadores do Piauí, existindo parentesco entre todos eles. Também, a igreja paroquial de Paçô, dista apenas 2km da vila de Arcos de Valdevez, sede do referido concelho.

[4] Nascido em 1692, na mesma casa paterna em Campo de Lima, onde também nasceu seu irmão.

[5] Era filho legítimo de Francisco Gonçalves de Lima e de sua mulher Maria Antunes Teixeira, ambos naturais e moradores na dita freguesia de N. Sra. do Paçô, sendo esses os avós paternos do padre biografado; neto paterno de João Gonçalves e Ana Rodrigues, também naturais da mesma freguesia; e neto materno de Gaspar Antunes e de Izabel Antunes, naturais da freguesia de Santa Maria de Vila Nova de Muia, termo da vila da Barca e moradores na contígua freguesia de N. Sra. do Paçô.

[6] PT/TT/TSO-CG/A/008-002/3984. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 3984

[7] Foi elevada à categoria de vila por carta régia de 20 de outubro de 1736, sendo oficialmente instalada em 2 de março de 1738.

[8] “Este muito provavelmente descendia de Luiz Marreiros, natural de Tomar em Portugal e que chegou à Capitania de Pernambuco no tempo do donatário Duarte de Albuquerque Coelho, de quem recebeu em propriedade um dos Tabelionatos de Olinda, PE e de Luiza Lopes” - Borges da Fonseca, 1908 Volume 13, número 72, pgs 3237-240. Livros Eclesiais de Icó: Livro 1, fl. 12v., 179v.; Livro 2, fl. 6v., 23v., 48v.; Livro 3, fl. 341, 351v.; Livro da Missão Velha - Óbitos 4. In: FERREIRA, Edgardo Pires. A mística do parentesco – Os Castelo Branco e seus entrelaçamentos familiares no Piauí e Maranhão. www.parentesco.com.br

 

[9] Nascido em 12.2.1744, batizado em 25.2.1744, na capela de Nossa Senhora dos Milagres, em Milagres – CE, foi casado com dona Maria de Nazareth Mendonça. Filhos: 1. Luís Marreiros da Silva, o moço, pai de Luís Benvindo Marreiros da Silva; e 2. Lourenço Antônio Marreiros da Silva Costa Lima, casado com Mariana Angélica de Menezes Castelo Branco, desses dois filhos descendendo o ramo dos Marreiros de Castelo Branco. Depois de viúvo, Luís Marreiros da Silva foi presbítero secular do hábito de São Pedro, sendo vigário de Icó, Missão Velha e Milagres, no Ceará. Não sabemos informar o grau de parentesco, mas em 11.6.1779, prestou juramento e tomou posse do cargo de secretário de governo da capitania do Ceará, o padre Francisco Xavier Marreiros da Silva, presbítero do hábito de São Pedro, falecido no exercício do cargo em 1780. Era cura da vila de Fortaleza e vigário-geral da comarca do Ceará Grande. Em 15.2.1774, de acordo com as ordens recebidas do diocesano, celebrou um solene Te Deum em ação de Graças pela extinção dos padres jesuítas (O Estado do Ceará, 29.9.1891; Revista do Instituto do Ceará, Ano 1891).

 

 

 

[10] Seguem trechos de despacho e relatório, no referido processo: “Do dito Reverendo Padre Mathias não me acresceu prova, nem me foi apresentada, nem a procurei. Sua ausência para daqui muitos centos de légua; até porque não sou mandado nada mais obrei a esse respeito. Paracatu, 4 de janeiro de 1784. Antônio Joaquim de Souza Correia e Mello”. Antes desse despacho consta o seguinte relatório: “Recebemos um sumário que consta do depoimento do promotor desse juízo eclesiástico, e ditos de suas testemunhas de ... no crime de solicitação contra o Padre Mathias de Lima Taveira, que se remeteu a esta Mesa, certificando-nos de haver prendido o suposto Réu, para que as testemunhas pudessem depor; e que tendo este fugido da prisão, mandara por Familiares do Santo Ofício procurá-lo; a cujo respeito lhe fazemos saber que por hora não há que tratar enquanto a este delito que nos pertença” (PT/TT/TSO-IL/028/CX1612/15621. Denúncia 1780. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 15621).

[11] Diz-se daquele que é adjunto a um prelado ou oficial eclesiástico para o ajudar nas suas funções. Ordinariamente é também destinado para sucedê-lo.

 

[12] Tese de doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense.

[13] Arquivo Público do Estado do Maranhão. Autos e Feitos de Denúncia e Queixa. Doc. 4254. Fl. 14. In: MENDONÇA, Pollyanna Gouveia. Parochos imperfeitos: justiça eclesiástica e desvios do clero no Maranhão colonial. Niterói: UFF,2011.  

[14] AHU. ACL. CU 016. Cx. 17. D. 842, 845, 846 e 872. AHU. ACL. CU 016. Cx. 14. D. 820, 821 e 824. Cx. 15. D. 825, 827, 829, 837 e 876.

 

[15] AHU. ACL. CU 016. Cx. 22. D. 1125. AHU. ACL. CU 016. Cx. 22. D. 1168; Cx. 25. D. 1302.

 

[16] AHU. ACL. CU 016. Cx. 25. D. 1263.

 

[17] Sobre a família Marreiros, no Ceará, colhemos essas notas: “O sargento-mor e depois capitão-mor José Alexandre Corrêa Arnaud, filho de Missão Velha, o mais dinâmico, e, talvez o mais inteligente dentre os caririenses seus coevos, foi casado dom d. Paula Tereza Marreiros da Silva, pernambucana, da estirpe de Luiz Marreiros de Sá, tabelião da vila de Fortaleza, em 1756, e, igualmente aparentada com Roque Marreiros da Silva, ex-notário público de Icó e Missão Velha, e com o Padre Luiz Marreiros da Silva, que funcionou em Icó, Missão Velha e Milagres. Duas vezes juiz ordinário do Crato, ergueu-se como um clarão rompendo a escuridão do século nestes pagos, ao lado de seu cunhado, o general da Independência de três províncias – Capitão-mor José Pereira Filgueiras”( O fundador-mor da metrópole missãovelhense - descendentes – Padre Gomes. In: O Município, 20.11.1949.). “Luiz Marreiros de Sá, tabelião público de judicial e notas, e escrivão do crime e cível nesta vila da Fortaleza de Nossa da Assumpção e seu termo capitania do Seará grande por sua Majestade Fidelíssima que Deus Guarde. ... . Vila da Fortaleze, 8 de julho de 1775” (O Estado do Ceará, 29.9.1891).