Os vários tempos dos leitores

[Miriam Leitão]

Eles chegam assim sem aviso prévio. No assunto vem “tempos extremos”, ou “seu livro”. São de pessoas conhecidas, ou leitores que nunca encontrei pessoalmente. Têm feito minha alegria nos últimos dias.

São comentários sobre o romance que lancei aqui pela nossa Intrínseca. Cada mensagem por e-mail, cada tuíte, cada telefonema, ou até a fala em encontro pessoal, me deixa feliz. Nos últimos dias tenho curtido essas respostas enviadas por pessoas que querem que eu saiba o que elas acharam do texto.

O curioso é que os leitores  reagem, interpretam  e escolhem o trecho favorito da narrativa de forma diferente. Cada leitor, sua sentença. E eu vou vendo o livro de diversos ângulos pelo olhar de quem o leu. Uma me escreveu num rompante, no meio do livro, uma mensagem curta: “página 107…. eu amo Larissa”. Uma jovem me mandou mensagem para o endereço eletrônico do jornal, descreve sua paixão pelos livros e me agradece por ter escrito o que acabou de ler. Ela diz que gostaria de ter vivido na ditadura onde havia causas pelas quais lutar. Respondi longamente sobre as várias causas a escolher hoje em que, felizmente, não vivemos em ditadura. Com  alegria noto várias afinidades com uma pessoa tão mais jovem que eu. Um senhor de 80 anos pede para falar comigo ao telefone, o genro faz a ponte constrangido, e ele demonstra ser leitor culto e perspicaz.

Um empresário com quem só conversei assuntos áridos me envia uma mensagem com considerações de profunda sensibilidade. Uma amiga que não vejo há anos, me conta que sempre soube que eu escreveria um romance. Uma autoridade que sei que está com um volume enorme de trabalho, me escreve comentando detalhes da história e afirmando que passou o fim de semana com o livro. Alguns preferem a parte contemporânea da história; outros gostam mais do passado remoto; há os que dizem entender que os dois passados estão juntos e são inseparáveis do presente.

Algumas mensagens são fortes e revelam detalhes de tempos extremos dos próprios leitores, outros admitem ter vivido em suas famílias divisões como a que partiu os filhos de Maria José. Um, particularmente valioso, vem de pessoa que admiro profundamente pela coragem demonstrada na ditadura. Admite que certas falas de Alice ela mesma disse ao longo de sua vida.

Uma jovem vendedora de uma livraria me abraça e diz que gostou dos personagens e escolheu seu favorito: o Marcos. Uma querida amiga disse que fechou o livro e começou a escrever sua própria história. Venceu assim um bloqueio de 40 anos que a impedia de contar o que viveu nos dias do seu desespero. Uma jovem me escreve e diz que se viu em Larissa durante todo o tempo, porque ainda permanece indecisa entre seus vários quereres profissionais. Vou sorvendo os comentários e pensando no ofício do escritor.

Há 40 anos é de escrever que eu vivo, mas tenho agora um sentimento novo. Escrevo reportagens e artigos com prazer de quem é feliz no jornalismo. Lutei para permanecer na profissão, seguindo uma trajetória que nunca foi fácil e teve momentos dolorosos. Escrever um livro, no entanto, é outra viagem. É de longa duração com mais tempo para duvidar e temer. Escrever um livro de ficção é como embarcar num avião que você não sabe para onde vai.

Depois de concluída a viagem, e o livro ser lançado, vem a esperança de que seja lido.  A alegria que tenho vivido é que cada vez recebo mais respostas dos leitores. Algumas chegam pedindo desculpas, como se estivessem interrompendo meu trabalho. Que nada, sou eu que agradeço cada contato. Vou me alegrando e aprendendo a ver até ângulos que nem havia notado no meu próprio livro. Escrevi, como já disse aqui, como quem se deixa levar. Por isso quando um leitor interpreta um ângulo do texto com uma visão só dele eu vou entendendo que Tempos extremos não é mais meu. Ele viaja agora com outras pessoas e o livro as leva para lugares e sentimentos que nem eu conheço. Aguardarei novas mensagens. Sim, os leitores escrevem aos autores e isso é muito bom.