Os seringueiros

 
            Os nordestinos chegaram em grandes levas à Amazônia, banidos por períodos de seca inclemente ocorridos no final da década de 1870.[27] A vinda dos imigrantes nordestinos constituía uma dupla solução para os governos do Norte e Nordeste: aumentava a oferta de mão-de-obra nos seringais amazônicos e diminuía o excedente populacional no Nordeste, que aumentara com o desenvolvimento da economia algodoeira no início do século XIX. O interesse dos governos amazônicos nessa mão-de-obra, com o fito de aumentar a extração do látex, levou-os a organizarem um serviço de propaganda e a promoverem a concessão de subsídios para gastos de transporte. Desde 1852, a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, criada pelo Barão de Mauá, iniciara uma linha regular de transportes que favoreceria o transporte de mercadorias e também dos milhares de nordestinos arrebanhados para o trabalho de coleta do látex.
            O deslocamento de pessoas para o trabalho nos seringais já ocorria antes da imigração nordestina. Segundo nos informa Rodrigues, os seringalistas pioneiros que descobriam uma área rica em seringueiras passavam a explorá-la e convidavam famílias tapuias a trabalharem nesses incipientes seringais, oferecendo-lhes “avultados lucros”. Tal como ocorreria mais tarde com os nordestinos, essas famílias recebiam um adiantamento em mercadorias, roupas e munições para ser pago com seringa. Os que aceitavam a oferta abandonavam suas criações e lavouras e acompanhavam o patrão. Ressalta o autor que desse modo “seguiam familias e extinguiram-se povoações inteiras”.[28]Apesar desse quadro, foi o deslocamento dos nordestinos que transformou radicalmente o contingente de mão-de-obra nos seringais e alterou a formação populacional da Amazônia no século XIX.[29]
            Há quase uma unanimidade no motivo que levou o nordestino a abandonar sua terra e rumar para a Amazônia para trabalhar nos seringais. A seca e, em decorrência dela, a falta de condições de sobrevivência, justifica a maioria dos casos. Há, porém algumas situações em que o êxodo foi motivado pelo gosto da aventura e/ou pelo desejo de fazer fortuna, sendo que o último motivo, na maioria das vezes, está consorciado com a condição de flagelado do imigrante, conforme se nota nesse depoimento de um agricultor, colhido no livro Romanceiro da batalha da borracha, de Samuel Benchimol:
 
‘Vim mode conhecer isso aqui. Todos me diziam que o Amazonas era uma terra de bondade. Se ajuntava dinheiro com ciscador. Era só apanhar dinheiro com as mãos e voltar. Então, eu disse comigo, que eu ainda hei de conhecer essa terra. Gosto do inverno, sem comparação. Eu estava em União. A moda lá é vir pro Amazonas. É só o que se fala por lá. A animação no Ceará é grande. Só se fala no Amazonas, nas suas riquezas, nas suas facilidades. As coisas por lá andam mesmo ruim. A terra anda virando pó. Está tão seca que nem língua de papagaio. Não há ninguém que podendo vir não vem.
Sempre tive vontade de conhecer isto aqui. Todo mundo me falava nela. Eu vim antes que fosse tarde demais. Dois anos que faz seca. Estamos entrando no terceiro. Lá é assim: um ano só verão, no outro não há inverno. Não há quem possa viver.[30]
 
            Esse depoimento foi obtido, de acordo com o que informa o autor, no período de 1942 a 1944, quando o ciclo já atravessara a crise que levara a queda vertiginosa do preço da borracha. Ainda assim, permanecem significativos no relato os mesmos motivos que levaram à imigração a partir da segunda metade do século XIX.
 No auge da imigração, compreendido no triênio 1898/1900, a realidade com que o transumante se deparava, a começar pela viagem que o levaria aos seringais, era desanimadora dos sonhos de riqueza e das promessas de facilidade na região amazônica. Viajavam nos porões dos barcos conhecidos como gaiolas ou vaticanos e chatas.[31] A passagem, segundo o que lhes informavam quando eram recrutados, seria paga pelo governo. Ao chegarem aos seringais, os brabos,[32] aspirantes a seringueiros, descobriam que a passagem assim como as despesas de viagem, as ferramentas necessárias à extração do látex e os mantimentos para sobrevivência eram o primeiro débito que contraíam para o trabalho nos seringais. A saga, muitas vezes inglória, do nordestino na Amazônia, seduzido por um eldorado que existia na sua fantasia e não na realidade, é sintetizada por Miranda Neto:
 
O nordestino na Amazônia começava sempre a trabalhar endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. Para alimentar-se dependia do suprimento que, em regime de estrito monopólio, realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhe comprava o produto. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão. Entre as longas caminhadas na floresta e a solidão das cabanas rudimentares onde habitava, esgotava-se sua vida, num isolamento que talvez nenhum outro sistema econômico haja imposto ao homem. Demais, os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de trabalho.[33]