Os romances de Tordo
Em: 12/01/2011, às 10H03
Por estes dias, vai para as livrarias o quarto romance de João Tordo , O Bom Inverno. Tordo tem trinta e cinco anos, e o seu primeiro romance, O Livro dos Homens Sem Luz, foi publicado em 2004, o que significa uma produção de um romance a cada dois anos. Se acrescentarmos que os romances de João Tordo são densos, com mais ou menos trezentas páginas cada um, que revelam uma laboriosa imaginação e um apurado trabalho de construção, onde nada é deixado ao acaso, um domínio da narrativa próprio dos grandes autores e uma escrita que roça a perfeição, e que o seu penúltimo livro, As Três Vidas, recebeu o Prémio José Saramago e foi editado em França e no Brasil, estamos perante a evidência de um autor que é já a maior revelação das letras portuguesas deste século.
Não houve um livro de João Tordo que eu não devorasse compulsivamente. Porque ele consegue manter-nos presos à narrativa como só os grande mestres conseguem, e porque o prazer da leitura é ele próprio uma experiência inefável. O que surpreende nos romances de Tordo é que ele alia uma técnica perfeita a uma espécie de necessidade confessional. O Bom Inverno, mesmo se se afasta da construção dos outros romances e ameaça parecer-se com um livro de género (quem foi o assassino?), mantém-se fiel aos seus temas obsessivos: o narrador, um jovem fraco que se deixa arrastar para uma aventura que depressa se revela um pesadelo, um mundo hostil e aterrador, um personagem bigger than life que tem os atributos divinos – a omnipresença, a omnipotência e a omnisciência –, uma jovem que representa uma espécie de inocência e de pureza sacrificadas, mas que nos redime do horror de um mundo votado à sua destruição.
Mas o que é surpreendente é o domínio da técnica narrativa: nada é deixado ao acaso, o mais pequeno pormenor, que parece insignificante, é recuperado umas páginas adiante e revela-se fundamental na construção da espiral de medo que rodeia os personagens; a acção avança inexoravelmente, cada capítulo acrescenta uma ideia brilhante que, na sua extrava-_gância, nunca é arbitrária, a descrição da atmosfera é admirável, as personagens mantêm a opacidade que as torna misteriosas, os sinais da iminência da catástrofe são espalhados ao longo dos primeiros capítulos, subtis mas reveladores, as peripécias abundam, surpreendentes mas sempre no limite do verosímil.
Para quem tenha dúvidas de que estamos perante um grande escritor, deixo-vos aqui a descrição de um momento fugaz em que o narrador se deixa embalar pela ilusão da felicidade, nadando com os amigos no lago da casa de Sabaudia: «As nuvens tinham mudado de posição e tornado a descobrir a lua, transformando a superfície do lago num espelho de fantasmas, revelando os contornos dos rostos húmidos; os quatro rostos naquele lugar estranho e remoto, como se o mundo tivesse cancelado o seu infindável progresso rumo à destruição».