Os novos escravos
Por Gabriel Perissé Em: 03/11/2005, às 22H00
Palavras de Cristovam Buarque no Jornal do Commercio (Recife - PE) de 21 de outubro:
“Os dias 12 e 15 de outubro ainda não são datas iguais ao 13 de maio, porque, apesar de ter ficado incompleta, a abolição foi proclamada. Mas ainda não proclamamos a libertação das crianças e professores. O Brasil ainda tem tempo de salvar seu futuro. O futuro que passa pelas crianças, o futuro construído pelos professores. Temos os recursos para fazê-lo. Temos a consciência da necessidade. Precisamos despertar.”
Despertar? Logo, estamos dormindo. Ou distraídos. E como despertar? Cristovam Buarque, discípulo confesso de Darcy Ribeiro, poderia liderar uma revolução educacional como seu mestre tentou fazer?
Outras perguntas. Se precisam de libertação, professores e alunos são escravos, mas escravos de quê? Ou de quem? E, proclamando sua libertação, como completaremos o processo libertador, que incompleto ficou no caso dos negros? Libertados, os professores poderão construir o futuro? Como pode um ex-escravo construir seu futuro se até ontem seu presente estava enclausurado?
E as crianças, como libertá-las? E do quê? O futuro das crianças é o futuro do país. A criança semi-analfabeta está presa, e acorrentado está o país em que ela habita.
A mentalidade escrava é a pior das escravidões, pois faz do escravo um eterno escravizado, mesmo depois de rompidas as algemas. A libertação para valer deve prevalecer antes da proclamação. A alforria se adquire antes que o escravocrata, tolerante como ele só, aceite conceder ao escravo os benefícios da liberdade.
O ex-ministro afirma: temos recursos e consciência. Não temos forças, porém, para descruzar os braços, seguir a consciência, aplicar os recursos. Estamos paralisados. Ou quase. Na realidade, não só professores e alunos são escravos. Também escravos (da letargia) são os que poderiam proclamar a libertação daqueles outros escravos; faltam-lhes forças até para proclamar...
Nemo dat quod non habet... Ninguém dá o que não tem. Como podem os escravos da inércia libertar os escravos da ignorância? Como podem os escravos da malícia... libertar os escravos das contingências históricas? Quem é autenticamente livre para libertar?
Este artigo já esgotou sua cota de perguntas. Há limites para tudo, até para a perplexidade.
Discordo de Cristovam Buarque num ponto — já não temos tempo de salvar o futuro do Brasil. Sabendo que o prazo acabou, veremos claramente a necessidade de escolher: a liberdade ou a morte...
Gabriel Perissé é autor do livro recém-lançado Elogio da Leitura, pela Editora Manole.