Por Bráulio Tavares

O saite FilmCritc (www.filmcritic.com) gosta de fazer aquelas listinhas dos “dez melhores” a respeito de tudo.  Bom passatempo para a gente lembrar filmes vistos há muitos anos, e também para dar mais atenção a detalhes que às vezes passam despercebidos.  A lista dos “Dez Melhores Movimentos de Câmara do Cinema” me fez parar antes de ler e tentar fazer minha própria lista.  O problema com essas listas é que alguns elementos são tão esmagadoramente óbvios que acabam aparecendo em todas.  Duvido que na lista do FilmCritic não apareça a sequência inicial de “A Marca da Maldade” de Orson Welles, um complexo travelling percorrendo numerosos ambientes e enquadrando numerosos atores durante um atentado a bomba, e a sequência final de “O Passageiro: Profissão Repórter” de Antonioni, em que a câmara literalmente atravessa uma janela gradeada e sai de dentro de uma casa.


Há um filme de Hitchcock cujo nome agora me escapa e que mostra à distância um avião voando serenamente entre as nuvens; a câmara (que supomos estar noutro avião que voa ao lado) se aproxima dele, chega a uma janela, atravessa-a, e em seguida segue pelo corredor do avião, mostrando os passageiros em suas poltronas.  De Hitchcock lembro também o arrepiante recuo da câmara em “Frenesi”, quando o criminoso ataca a moça e a câmara recua, sai do apartamento, sai do corredor, sai do prédio e estaciona na rua, por entre os ruídos pacatos do trânsito, e só nós sabemos o que está acontecendo por trás daquelas paredes.  


Duvido que apareça na lista do FilmCritic algum dos impressionantes movimentos de câmara na mão executados por Dib Lufti em “Os Deuses e os Mortos” (1970) de Ruy Guerra.  Dib empunhava uma das câmaras 35mm daquela época, enormes e pesadas.  Há uma cena em que dois sujeitos brigam de faca dentro de uma casa: um deles foge pulando a janela, o perseguidor vai atrás, e Dib pula a janela também de câmara em punho, sem tremer a imagem e sem perder o enquadramento.  


Fui consultar o saite, e dos que citei eles lembram apenas o de Orson Welles.  A abertura de “O Jogador” de Robert Altman também é citada, mas faz tempo que vi esse filme e não me lembro dessa longo travelling da sequência inicial (agora vou ter que ir na locadora, pegar, olhar, ver o filme todo até o fim, porque é bom demais...).  


O travelling gerou a estética do plano-sequência e gerou inclusive os filmes-sequência, em que não há cortes, como o “Festim Diabólico” de Hitchcock, “A Arca Russa” de Alexander Sokurov (2002) e o recente filme brasileiro “Ainda orangotangos” de Gustavo Spolidoro (2007).  O que há de mais fascinante nisso é que essa estética abre mão de uma das coisas mais dinâmicas que o cinema tem, que é justamente a montagem, o corte, o picote, a justaposição, o ping-pong de imagens.  O travelling longo ou plano-sequência se assemelha àqueles textos literários sem ponto nem pausa, como o monólogo de Molly Bloom no “Ulisses” ou as “Galáxias” de Haroldo de Campos