Os males do fanatismo
Por Cunha e Silva Filho Em: 31/08/2013, às 08H39
Cunha e Silva Filho.
Se há alguma coisa que me causa um mal-estar interior de mistura com indignação, este é o fanatismo manifestado seja de que forma for. O indivíduo, tomado por esse sentimento de excessos francamente negativos e deletérios, perde aquilo que, numa definição de Aristóteles (384-322 a.C) encontraria correspondência na frase, ou dito, latina disseminada, e que tão bem expressa um comportamento prudente e saudável: "In medio stat virtus" ( A virtude está no meio). Manter a equidistância dessa linha de extrapolação equivaleria a livrar o mundo de muitas desavenças, incompreensões, conflitos e até guerras.
O fanatismo, um forma distorcida e hipertrofiada da visão que uma pessoa tem do mundo e de tudo que nele existe, se mostra mais evidente e mais devastador em três dimensões principais : na religião; na política e no esporte. De resto, toda falta de equilíbrio demonstrado na solução de problemas redunda em fracasso.
Vejamos como atua cada um desses desvios de conduta do homem vítima do fanatismo religioso. Tome-se o exemplo do catolicismo e do protestantismo, tendo como palco de cenário a Irlanda do Norte, cujo povo está fadado há longos anos aos constantes conflitos de ordem religiosa e recrudescidos pelos de ordem política. Sabemos que cada religião tem o seu conjunto de princípios, dogmas e especificidades inerentes aos seus credos, os quais devem, ou deveriam, ser seguidos à risca pelos seus membros, pelo menos teoricamente considerados.
No entanto, na práxis religiosa tal conduta não existe no contexto dos dois tipos de religião. O que, então, se observa é que no cotidiano daquele país, basta que haja uma insatisfação ou um pequeno desliza numa e noutra das religiões para que a irrupção da violência venha à tona e, neste caso, todo o corpo espiritual doutrinário entra em colapso. Na emoção dos conflito armado, os princípios religiosos são esquecidos e o que passa a valer são as ações violentas e terroristas, provocadoras de mortes de inocentes Isso porque nenhum dos lados cede um palmo daquilo que pensa ser a sua verdade tomada unilateralmente, desconsiderando as diferenças do outro, os direitos do que passa a ser inimigo e por isso não pode ser levado em conta.
O sentimento fanático é cego, não enxerga de forma lúcida no confronto travado entre duas partes. Por isso, as discussões religiosas, que deveriam ser pautadas pelo diálogo entre diferentes, mas nem tão diferentes assim entre as duas doutrinas fundamentas no cristianismo, tornam-se reféns do fanatismo, abdicam da lógica discursiva e partem para o campo da batalha e da irracionalidade..
O segundo desvio, móvel irracional que toma conta do indivíduo presa do desequilíbrio no campo da política e manifestado pelo fanatismo, tem muito mais força e negatividade quando praticado por sectários de determinados partidos ou de líderes que adquiriram relevância, em geral figuras que se aproximam do nível do messianismo ou de salvadores da pátria tão comuns no Terceiro Mundo.
São os fanáticos que, em geral, não passam de eleitores convictos de que o líder populista, junto com seu partido, são pessoas infalíveis, de caráter ilibado, merecedores do respeito de seus correligionários e de seus eleitorado. Esse indivíduos, em geral sofrem de uma patologia através da qual não podem ouvir nenhuma afirmativa de outrem que contrarie os valores e ideias de seus líderes e partido. Encontram-se, no Brasil, exemplos típicos dessa situação nas figuras de um Getúlio Vargas, de um Leonel Brizola e de uma Lula. O exemplo do Collor passou por perto durante a sua campanha para presidente do país, mas, no governo, a sorte lhe foi ingrata e acabou no que todo mundo viu, ou seja, de caçador de marajá passou a ser desprezado por aqueles que ficaram fascinados com a suas ideias de salvação da pátria.
O terceiro desvio do sentimento de fanatismo, no caso que escolhi para este artigo, é o futebol, esporte maior do povo brasileiro, com força gigantesca de movimentar multidões de fãs, de apreciadores normais que sabem ver nesse esporte o encanto de uma jogada genial e de uma craque de verdade.
Um pensador católico brasileiro, Alceu Amoroso Lima (1893-1983) - ao iniciar, em 1919, sua coluna de crítico literário em O Jornal, substituindo, se não me engano, o mordaz crítico Agripino Grieco (1888-1973), usou, durante grande parte de sua vida de escritor, o pseudônimo de Tristão de Athayde. Um vez chamou o futebol de “O grande catalisador.” Sabia o que dizia, porquanto esse esporte, de origem inglesa, no país foi, de início, praticado pelas camadas altas da sociedade e, com o tempo, ganhou o amor do povão, da classes média, da burguesia, de alguns intelectuais, segmentos sociais que não mais o abandonaram.
Em todos os rincões do Brasil, principalmente entre os mais pobres, o futebol é sempre uma festa e uma esperança de deixar um menino de talento futebolístico com a esperança de se tornar um campeão, um grande jogador, a ser disputado pelos ricos clubes da Europa e de outras partes do mundo. Os jogadores de talento tornam-se ricos e por isso são disputados pelas mulheres bonitas com amor e sem amor.
Pois é esse esporte onde grassa também o fanatismo e desse para a violência é um pulo. Hoje em dia, o fanático, em torcidas organizadas, é um barril de pólvora , um perigo iminente, causador de mortes, de pancadaria, de extrema selvageria dentro dos estádios e fora deles. Esses torcedores são igualmente doentes, sofrem de psicopatias e são indivíduos que devem ser vigiados pelos órgãos de segurança, sob pena de transformar o futebol em esporte sinônimo de extrema violência.
Como mobiliza grandes multidões de fãs, o futebol é facilmente instrumentalizado por estratégias de setores do governo e da mídia que bem sabem dele tirar partido, inclusive subliminarmente, tendo por objetivo usá-lo como amortecedor social e dominação política no pior sentido da palavra, da mesma maneira sendo uma forma segura e milionária de ganhar rios de dinheiro facilmente e de fazer a festa dos detentores do poder econômico que administram, promovem e estimulam ideologicamente um esporte que não nasceu com a vocação de ser instrumento desse poder. No entanto, essa modalidade esportiva deixou, a partir de certa fase de sua história, um rastro de oportunistas, prestidigitadores, cartolas, empresários inescrupulosos e o poder público cooptado. Tudo maravilhosamente entrosado para o bem das nações e da mídia nacional e internacional.
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