[Maria do Rosário Pedreira]

 Enquanto me dedico a apreciar originais com vista à publicação, consigo dizer com relativa facilidade quais pertencem a autores que lêem e quais são escritos por gente que escreve sem ter lido. Em alguns casos, garanto, é até possível identificar algumas das leituras de um autor pelo que escreve (e não estou a falar de influências explícitas). Mas – escritores ou não – todos somos aquilo que lemos, pois os livros são como gente com que nos cruzamos ao longo da vida (e gostamos de uns mais do que doutros, mas todos são determinantes para o que nos tornamos). Não me tinha, porém, ocorrido essa fantástica perspectiva de Manuel António Pina numa crónica recentemente publicada na revista Notícias Magazine: a de que, curiosamente, também somos aquilo que não lemos; no seu artigo, Cavaco era, por exemplo, os livros todos de economia que lera, mas também Os Lusíadas que nunca lera – e acho que tem razão o nosso mais recente Prémio Camões. O pior é que agora, quando olho para as minhas estantes, descubro que sou imensa coisa que nunca me tinha passado pela cabeça (ou pelos olhos).