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                    Com esse título a historiadora francesa Michelle Perrot(1988) publicou interessante obra reunindo uma série de artigos onde mulheres, operários e prisioneiros foram analisados, de forma direta, clara, elegante, sem prejuízo do rigor conceitual, como sujeitos plenos da história. Aliás, essa é uma tendência da moderna historiografia, analisar os pequenos sujeitos, os anônimos, os vencidos, trazendo-lhes a sua visão da história, de certa forma contrapondo-se à história tradicional onde apenas os vencedores são protagonistas.

Desde alguns anos vêm sendo estudados, investigados, analisados o cotidiano, os costumes, os valores, os conflitos de pessoas comuns, abrindo assim o debate sobre personagens do povo e despertando curiosidades. A história indígena ampliou esse campo de pesquisa acadêmica, exatamente abordando e trazendo ao protagonismo da história esses que foram os vencidos no processo de colonização e os grandes excluídos de nossa historiografia tradicional.

Entre nós, José Martins Pereira de Alencastre, Francisco Augusto Pereira da Costa e Odilon Nunes já abordam, em suas respectivas obras, embora pontualmente, alguns aspectos sobre o ameríndio e sua dizimação no processo de colonização desta parte das Américas. Entretanto, foi o monsenhor Joaquim Raimundo Ferreira Chaves o primeiro que se debruçou mais detidamente na investigação sobre a presença do índio em solo piauiense, publicando interessante monografia a respeito. Provocou uma revisão na maneira de abordar o tema, incorporando novos elementos e mostrando a visão do vencido. Luiz Mott, o historiador baiano-piauiense, trouxe contribuição valiosa e séria, elaborada com rigor científico e base em documentação primária. Digna de menção é a contribuição trazida pelo general Moysés Castello Branco Filho, abordando a presença indígena no povoamento do Piauí. Logo mais, João Gabriel Baptista iria trazer mais luzes, com seu livro Etno-história indígena piauiense, que, embora contenha algumas imprecisões, é imprescindível para o conhecimento e compreensão dos que desejam se aprofundar no tema.

Foi então que iniciamos nossas pesquisas com uma série de publicações sobre o assunto, todas ancoradas em fonte primária, de que merece referência: Aldeamento dos acoroás, São Gonçalo da Regeneração – marchas e contramarchas de uma comunidade sertaneja: da aldeia indígena aos tempos atuais, A ferro e fogo – vida e morte de uma nação indígena no sertão do Piauí e Autos de devassa da morte dos índios gueguês, além de algumas monografias.

Seguem os trabalhos de Ana Stela de Negreiros Oliveira, Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, Síria Emerenciana Borges, Wilson Correia, Paulo Machado, João Renôr Ferreira de Carvalho e Jóina Borges, todos com contribuição valiosa e séria, fruto de pesquisas de campo e na documentação primária, até porque é campo novo de pesquisa que está sendo aberto no Piauí. Doravante, qualquer historiador que enverede por este caminho, com honestidade intelectual, não pode prescindir desse conjunto de obras pioneiras como fonte de consulta.

E para facilitar esses estudos, o contato dos interessados com as indicadas obras, a Prof.ª Dr.ª Claudete Maria Miranda Dias, conceituada estudiosa de nossa história, autora de bem referenciados livros, auxiliada por Patrícia de Sousa Santos, organiza todo esse vasto material e dá à estampa a obra História dos índios do Piauí, cuja primeira edição data de 2010. Foi festivamente recebida pelo público acadêmico e pelos leigos, revestindo-se em enorme sucesso, logo esgotando e desaparecendo das livrarias. Esta segunda edição vem preencher uma lacuna, disponibilizando a professores, alunos e demais interessados pelos assuntos de nossa história, contribuição enorme, séria, variada, trazendo diversos pontos de vista sobre o mesmo assunto. A história do ameríndio no Piauí, antes esquecida, seu contato com o branco colonizador, o massacre e dizimação. Com a organização dessa importante obra Claudete Miranda Dias traz à luz da história o protagonismo de tantas nações indígenas vencidas no violento processo de colonização e até há pouco excluídas de nossa historiografia. Felizmente, pela ação de tantos estudiosos, aos poucos vão assomando à luz plena da história. E quanto mais se estuda o seu passado, mais percebemos que a nossa sociedade foi construída a ferro e fogo, nascendo sobre os escombros de outras que se lhes antecederam e sobre a carnificina de vários de nossos semelhantes. O processo de colonização do Piauí, baseado na expansão da pecuária extensiva, foi incompatível com a presença indígena, porque o gado precisava de terra para a expansão dos currais e esses só podiam se expandir sobre as terras indígenas. Então, fez-se necessário matar homens para criar bois. A história oficial fala em colonização, mas esta não se deu sem um despovoamento indígena, seguido de repovoamento no padrão europeu. Foi um verdadeiro genocídio. Essa foi a realidade, hoje só restando a nós historiadores resgatar esses fatos para fazer pensar, refletir sobre o que somos? Para onde vamos? Nesse aspecto, só podemos aplaudir essa iniciativa de Claudete Miranda Dias em organizar e buscar meios de reedição para essa valiosa coletânea que reúne o que há de mais significativo sobre o assunto entre nós.

Parabéns. E boa leitura.

 

(Texto de apresentação à 2ª edição do livro História dos índios do Piauí, organizado pela Profª Claudete Maria Miranda Dias).