Os espinhos da crítica literária
Em: 15/06/2009, às 20H00
Por Cunha e Silva Filho
A crítica literária em jornais, melhor chamada de crítica de rodapé, que, no país, se cultivou quase sempre com brilhantismo, conheceu seu apogeu a partir do Modernismo com a atividade desenvolvida por intelectuais, entre outros, como Tristão de Athayde, Agripino Grieco, Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, Temístocles Linhares, Sérgio Buarque de Holanda, Wilson Martins, Antonio Candido, só para ficarmos com alguns nomes mais antigos. . Desse pequeno grupo só Candido e Wilson Martins ainda estão vivos. Nem todos eles mantiveram-se como críticos exclusivamente, de vez que dividiam a judicatura crítica com o magistério. E até por vezes como diplomata por certo período, como é o caso de Álvaro Lins. Porém, do grupo mencionado só dois podemos dizer que, salvo engano, cultivaram quase com exclusividade os rodapés: Agripino Grieco e Wilson Martins, embora este último tivesse professado a docência superior aqui e nos EUA. mas sem largar o exercíco da crítica até hoje.
Cada um deles, por sua vez, possuía sua linha de pensamento crítico, que ia desde o humanismo estético-filosófico de abertura para uma crítica expressionista (Tristão de Athayde), ao impressionismo de cunho satírico (Agripino Grieco), ao impressionismo humanístico de visão arejada e original (Álvaro Lins), à nova crítica de base anglo-saxônia (Afrânio Coutinho), ao humanismo impressionista renovado e aberto às novas tendências crítico-sociais de alcance universal (Temístocles Linhares), à crítica de base erudita e histórica (de Sérgio Buarque de Holanda), ao impressionismo erudito-historiográfico (de Wilson Martins), à crítica sociológico-estético-formal (de Antonio Candido), considerando essas classificações, para os objetivos desta exposição, da maneira mais esquemática possível.
A minha intenção nesse artigo é apenas tecer algumas reflexões em torno das implicações do crítico em relação ao seu objeto de trabalho intelectual: julgar obras nos diversos gêneros. A função do crítico pressupõe uma posição delicada junto não só aos autores, mas também junto aos próprios críticos, aos companheiros de julgamento.
No primeiro caso, ao crítico cabe dar resposta aos valores ou ausência de valores estéticos de uma obra com fundamento na sua experiência de grande leitor que deve ser e de seus recursos metodológicos de abordagem do fenômeno literário. Neste caso, recai sobre ele a responsabilidade de orientar leitores e ao mesmo tempo de mostrar qualidades, defeitos ou deficiências de um autor,. pois creio que uma crítica de natureza construtiva a uma obra de um autor ou que lhe sugira caminhos que o levem ao aperfeiçoamento de sua criação literária nada tem de demolidora. O que não deve fazer o crítico é não ser honesto no que respeita a autores que não revelem o mínimo de talento e capacidade de criar, de forma original e esteticamente convincente nos seus métodos e técnicas usados na composição de uma obra.
Não estou convencido da afirmação de que um autor não dê nenhuma atenção aos críticos. Aos autores interessa, sim, o julgamento de um crítico sério e competente, ainda mais porque o trabalho da crítica bem fundamentado, por reunir interpretação e análise, alarga as dimensões da obra estudada, tanto da perspectiva da linguagem literária do autor, quanto da cosmovisão que este enseja transmitir na sua relação com o leitor. A cosmovisão, segundo Massaud Moisés (MOISÉS, Massaud. Literatura: mundo e forma. São Paulo: Cultrix/USP, 1982), constitui parte essencial da atividade crítica. Para que ler uma obra literária senão para lhe extrair dados da experiência de vida e modos de compreender os sentidos desta nos mais diversos ângulos e formas de entendimento do mundo, dos homens e da própria Arte?
No segundo caso, o papel do crítico diante de outro ou outros críticos pode seguir linhas de concordância ou de discordâncias, o que necessariamente não significa que um crítico que empregue uma determinada teoria diferente da de outro seja, por si só, adversário do ponto de vista intelectual. O que, no entanto, tem ocorrido na história literária brasileira é o fato de alguns críticos, por razões de pensamentos ou linhas estéticos diferentes, se tornarem inimigos e, às vezes, passarem até à inimizade pessoal. Há vários exemplos que poderíamos citar, como as polêmicas entre Sílvio Romero e José Veríssimo, ou mais próximos de nós, entre Álvaro Lins e Afrânio Coutinho, Nelson Werneck Sodré e Wilson Martins ou entre críticos sociológicos e críticos estruturalistas. As rivalidades muitas vezes chegam a tal ponto que, em relações bibliográficas, um não cita o outro, mesmo. em obras de historiografia ou ensaio acadêmico.
A verdade é que a atividade crítica tem seus percalços. Os julgamentos criam ressentimentos, aversões mútuas, que são guardados para sempre e sobretudo para algumas ocasiões em que o crítico rigoroso ou mesmo injusto, tendo criado muitos inimigos na vida literária, não consegue ter acesso a determinadas instituições culturais que dependem de escrutínios para nelas entrarem e delas fazerem parte. Não irei citar nomes, mas em nossa país há muitos casos que se enquadram nesta situação.
A atividade crítica é também desgastante física e intelectualmente dado que, com o crescimento demográfico e cultural do país nos últimos quarenta anos, pelo menos, seria impossível dispor-se de rodapés com críticos acompanhando a produção editorial do país nos vários gêneros literários. São muitos os autores em todo país e, mesmo que cada estado da Federação cuidasse de ressuscitar o rodapé, seria inexequível o acompanhamento das obras lançadas. O que ocorreu foi o surgimento das chamadas resenhas , que, semanalmente pelo menos, comentam as publicações recém-editadas. O trabalho da crítica mais densa ficou circunscrito aos muros das universidades.Mesmo as resenhas não ficam sob o encargo de um único crítico. São vários os colaboradores. O que não podia ser diferente.
Daí também que o crítico literário, que não é pago em geral, faça julgamentos quase que esporadicamente, muito embora desejasse escrever com muito maior frequência sobre os livros que recebe. O que, no mínimo, pode fazer é agradecer a gentileza de alguns autores lhe enviarem livros pedindo comentários ou apreciações. Acredito que a solução em parte para .isso seja, a médio ou longo prazo, que o crítico, dentro de suas possibilidades, vá reunindo aos poucos artigos ou ensaios para posterior publicação em livro.
Por conseguinte, o fato de o crítico ou ensaísta não dar pronta resposta a uma quantidade enorme de livros que recebe deve-se a essa impossibilidade de um trabalho que, em outros tempos e outros contextos culturais e editoriais, pudesse ser realizado nos moldes dos antigos rodapés de jornais que havia nos principais centros hegemônicos do país.