"Operários", de Tarsila do Amaral
"Operários", de Tarsila do Amaral

[Paulo Ghiraldelli Jr]

Sujeito é uma coisa e subjetividade é outra coisa. O sujeito diz respeito ao autor de ações, pelas quais se responsabiliza, e é o protagonista de seus pensamentos, pelos quais afirma consciência. Esse autor não necessariamente é um indivíduo, pode ser uma coletividade, ou mesmo elementos mais abstratos como uma nação ou uma classe social ou uma geração ou um espírito de época etc. A subjetividade são instâncias de uma plataforma psicossocial, em que cabe o Eu psicológico e as identidades de várias ordens. O Eu psicológico é sede das vivências mais íntimase se liga à memória intelectual, afetiva e sensível, e tidas como irrepetíveis. A identidade moral ou o sujeito moral nós chamamos de pessoa. A identidade política ou sujeito político nós chamamos de cidadão. A identidade de gostos nós, em geral, chamamos de sujeito estético.

Todo o drama das minorias que se produz, não raro, quando elas resvalaram para o identitarismo, se resume em uma fusão, sem que se adote possibilidades de distanciamento crítico, entre o Eu e a pessoa e, não raro, o cidadão. A identidade social, a pessoa, ou a identidade política, o cidadão, colonizam o Eu. Forçam-no a viver situações afetivas e intelectuais singulares como sendo aspectos ou parte do que cabe à pessoalidade. Caso a identidade moral, ou seja, a pessoa (e o cidadão) tenha sido forjada pela negatividade, como é a situação de pessoas pertencentes às minorias que se forjam pela opressão ou simplesmente pela subalternização, esse indivíduo deveria saber relativizar essa condição ao forjar as experiências de seu Eu. Pois essas experiências constroem sua amororizade, o seu orgulho, suas disposições de relacionamentos íntimos, seus relacionamentos de amizade. O Eu deve saber se resguardar da identidade social, caso contrário, o indivíduo se faz, em seu íntimo, apenas pelas características de resposta e revolta ou mesmo ressentimento que estão na pela da pessoa.

Um indivíduo que pertence a uma minoria deve saber beijar em busca do beijo, pelas sensações e sentimentos que isso provoca. Nessa experiência, é bom que tenha um Eu capaz de se alimentar dessa experiência, se construir por ela, e que seja um Eu capaz de se distanciar da pessoa ou do cidadão. Nada das negatividades da identidade social devem sobrepujar essa formaçao psicológica da vivência do Eu. Pode-se beijar como negro, mas não se pode levar ao beijo as derrotas sociais dos negros. Pode-se pedir em namoro alguém como trans, mas que ninguém que é trans se envolve nesse pedido deixando alguma mágoa da identidade moral adentrar o recinto nessa hora. O dom de ser de minoria e não ser identitários é conseguir fazer o Eu psicológico viver com distanciamento crítico das identidades sociais e políticas. O identitarismo é fruto desse não distanciamento. Ele é a armadilha na qual o Eu cai e, então, intoxica uma instância por meio dos insucessos de outra.

Paulo Ghiraldelli Professor, filósofo e escritor. Fez seu mestrado e doutorado em filosofia na USP. Fez mais um mestrados e mais um doutorado, na filosofia da educação na PUC-SP. Seu pós doutorado foi em Medicina Social na UFRJ, no grupo do médico e psicanalista Jurandir Freire Costa. Fez graduação em Filosofia no Mackenzie e em Educação Física em São Carlos, em escola posteriormente encampada pela Universidade Federal de S. Carlos (UFSCar). Possui carteira profissional de jornalista e se trabalha como escritor. Lecionou em várias universidades no Brasil, teve experiências como pesquisador na Nova Zelândia e Estados Unidos, como Visiting Professor. Foi professor livre docente e titular da UNESP e se aposentou na Universidade Federal do Rio de Janeiro