"É melhor a morte do que uma vida cruel, o repouso eterno do que uma doença constante" (Eclesiastes 30,17).

Acompanhamos, nos últimos dias, o caso do italiano Piergiorgio Welby, vítima de distrofia muscular progressiva, doença de caráter hereditário que tem como principal característica a degeneração e a morte da célula muscular. Existem várias modalidades de distrofias; a que acometeu Welby era uma das mais graves. Ele não podia mover nenhum órgão do corpo, com exceção dos olhos. Sobrevivia à custa de um respirador artificial e se comunicava com dificuldade através de um computador que interpretava os movimentos de seus olhos, desde 1977.

Welby completaria 61 anos neste 26 de dezembro; sofria há aproximadamente 40 anos.
Sua batalha teve início em setembro, quando enviou uma carta ao Presidente da República, Giorgio Napolitano, reivindicando seu direito à morte. Enviou ainda um pedido oficial ao Tribunal Civil de Roma para que o tratamento fosse suspenso e o respirador fosse desligado. Entretanto, nem o tribunal nem o Conselho Superior de Saúde, que estudou o caso, aprovaram sua solicitação.

Welby decidiu não esperar por uma resolução jurídica. Para ele, “morrer deveria ser como pegar no sono depois do amor: cansado, mas tranqüilo”. Contando com a ajuda de Mario Riccio, anestesista do hospital de Cremona que desconectou o respirador e administrou sedativos para evitar qualquer tipo de sofrimento, teve morte instantânea.
Na mensagem de pêsames enviada à viúva, Giorgio Napolitano, reconheceu que é preciso que o Parlamento chegue “rapidamente às conclusões ponderadas e compartilhadas” nesta questão. A Igreja Católica italiana se recusou a dar um enterro religioso a Welby.

O Pe. Léo Pessini, Professor Doutor em Bioética diz em Distanásia: Até quando investir sem agredir? que “o moderno pensamento teológico defende que o próprio Deus delega o governo da vida à autodeterminação do ser humano, e isto não fere e muito menos se traduz numa afronta à sua soberania. Dispor da vida humana e intervir nela não fere o senhorio de Deus, se esta ação não for arbitrária. A perspectiva é responsabilizar o ser humano de uma maneira mais forte diante da qualidade da vida”.

Genival Veloso de França, em Eutanásia: Um enfoque ético-político comenta que “há até quem afirme que o gesto dos guardas judeus de darem a Jesus uma esponja embebida em vinagre, antes de constituir ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu sofrimento, pois o que lhe ofereceram segundo consta, fora simplesmente o vinho da morte, numa atitude de extrema compaixão”.

Muitas pessoas com doenças terminais são mantidas vivas contra a sua vontade, recorrendo, por vezes, a outros meios para tentarem prolongar a sua vida, causando mais sofrimento a si e a quem as rodeiam. É o que se pode chamar de “obstinação terapêutica” ou “encarniçamento terapêutico”, uma teimosia que visa prolongar a vida a todo o custo e por todos os meios, sem outro objetivo que não seja o de adiar a morte, como se isso fosse bom e possível para sempre.

Onde está Welby? Tenho absoluta certeza que ele deve estar sentado junto a Deus Pai Todo-Poderoso, vibrando com a galera (como foi mostrado pela internet) que durante jogo de futebol, segurava uma faixa desejando-lhe Feliz Natal. E a voz do povo não é a voz de Deus?

      * Gisleno Feitosa é especialista em Bioética.