Omissão de que e não-omissão de verbo
Por M. T. Piacentini Em: 02/03/2006, às 21H00
Fala-se hoje de duas possibilidades de omissão do “que” na função de conjunção integrante – conectivo que introduz uma oração subordinada substantiva – e do mau hábito de omissão do verbo “ser” em orações nominais.
OMISSÃO - PRIMEIRO CASO
É possível omitir a conjunção QUE quando o verbo da oração subordinada que ela introduz está no modo subjuntivo, porquanto o subjuntivo já dá a indicação de se tratar de uma oração subordinada.
Por exemplo, em vez de escrever “O juiz disse que é viável que seja suplantado o total de pena previsto”, alguém escreve “O juiz disse que é viável seja suplantado o total de pena previsto”. O primeiro “que”, também conjunção integrante, não poderia ser jamais suprimido da frase (observe, na 1ª or. subord., o verbo no indicativo: “é”). Mas o segundo “que” não só pode como até deve ser omitido, para evitar o eco, a repetição (observe, na 2ª or. subord., o verbo no subjuntivo: “seja”).
Seguem-se outros exemplos, tendo-se em mente que essa omissão não é obrigatória, nem é muito comum, é apenas uma questão de estilo, principalmente em frases onde já existem outros ‘ques’:
- O juiz que condenar o réu a indenizar a perda sofrida pelo veículo do autor pode determinar [que] seja descontado o valor da carcaça.
- Requeremos a V. Exa. [que] seja deferido o abono pelas razões acima apresentadas.
- Ao argumento de que a atitude narrada lhe causou prejuízos, pretende o autor [que] sejam declaradas nulas as cláusulas contratuais que previam a extinção da avença.
- Você lembra que o presidente Lula aconselhou [que] tirássemos o traseiro da cadeira para conseguir tarifas bancárias mais baixas? Se isso baixa os juros, juros baixos permitem [que] o traseiro descanse.
- Ele disse que lamenta [que] tenha nossa correspondência se espaçado tanto.
OMISSÃO - SEGUNDO CASO
É possível suprimir a conjunção QUE depois de orações que utilizam os verbos impessoais ‘haver’ ou ‘fazer’ para indicar tempo transcorrido:
- Faz três semanas [que] não chove.
- Dizem que faz 10 meses [que] estão se preparando para o concurso.
- Há dias [que] não vejo tia Laura caminhando na calçada.
É de se notar que na ordem inversa não se usaria, de qualquer modo, a conjunção – aí a oração impessoal age como se fosse uma locução adverbial de tempo: “Não chove faz três semanas. / Dizem que estão se preparando faz/há 10 meses. / Não vejo tia Laura há dias”.
CASO DE NÃO-OMISSÃO
Por outro lado, está havendo um exagero na área jurídica quanto ao corte de palavras, a ponto de estarem suprimindo o verbo SER de orações nominais. É o caso, por exemplo, de “Portanto, correta a aplicação da revelia no caso”, em que não aparece nenhum verbo. Pode-se afirmar que é estilo. De fato, na linguagem oral às vezes se omite, antes do adjetivo, a forma verbal “é”, que se ‘engole’: até soa bem a fala “importante dizer” em vez de “é importante dizer”. Na escrita, porém, deve-se preservar a sintaxe com o uso do verbo ser [em negrito, abaixo]:
- Contudo, é mister ressaltar que o julgador não estava adstrito aos fatos.
- Não há prova da inscrição na Serasa, todavia é indubitável que o protesto no tabelionato de títulos foi indevido.
- Por isso, é cabível a conversão de ofício da ação cautelar em ação ordinária.
- Não havendo irregularidade, é inviável a declaração de nulidade do ato.
- Tratando-se de imóvel fronteiriço, é certo que o terreno interessa à empresa.
*Maria Tereza de Queiroz Piacentini é diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros “Só Vírgula”, “Só Palavras Compostas” e “Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades”