Cunha e Silva Filho


                     Desconheço se as oficinas literárias já chegaram ao Piauí. mas o fato é que hoje é  uma realidade, sobretudo, nos grandes centros culturais, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,  Rio Grande do Sul, Pernambuco e  outros centros menos badalados.
                      A  verdade é que aí estão funcionando a todo o vapor. Aqui, no Rio, um ficcionista piauiense, Esdras do Nascimento, de vez em quando, tem oferecido esse tipo de curso. A origem dessa atividade literária vem dos Estados Unidos e de lá se irradiou para outros países, como o Brasil. 
                    A Folha de São Paulo, através do seu caderno Mais! (16/08/2009) publicou uma longa e bem elaborada reportagem sobre essa modalidade de ensinar pessoas a se tornarem escritores, inclusive publicando  um artigo, ao qual faço referência mais adiante,  de  um jovem escritor brasileiro, Daniel Galera, beneficiado  com essas oficinas literárias. Já se foi, pois, a época de escritores surgirem apenas com sua própria capacidade de escrever suas ficções, tendo como embasamento técnico a sua formação autodidata,  as suas leituras, seu talento, sua originalidade. Estes pertencem à gerações passadas, que, sem o aparato técnico e programático dos novos escritores oriundos de oficinas literárias ou de ambientes acadêmicos, legaram à posteridade obras-primas da literatura brasileira. 
                 Mas, os temps mudaram. Passamos à fase do chamado treinamento, preparo programático, leituras em conjunto, debates entre aprendizes de escritores, orientação dada por professores-escritores de universidades, amplamente equipados com complexas teorias narrativas, com estudos de teoria literária. Uma nova realidade, destituída do amadorismo de aprendizagem dos velhos escritores.  Nada de intuições, ideias  românticas de inspiração, do escritor visto como um ser diferente, cercado de aura, enfim , do escritor confiado apenas no seu próprio gênio criador.
                  É óbvio que as oficinas literárias possuem esse lado pragmático de encarar o artefato literário como algo que deve ser aprendido, orientado, com o suor da técnica e do preparo, de por vezes retirar sangue da pedra. Tudo passa a ser produto da técnica de matriz norte-americana, digamos assim, da formação de escritores em série. De acordo com a reportagem da mencionada Folha de São Paulo, “Aulas práticas de literatura já viraram história nos EUA.” Mark McGurl, professor de letras na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, no livro The Program Era (A era dos programas), salienta que impossível seria compreender a literatura norte-ameicana do pós-guerra sem associá-la aos chamados programas de”creative writing” (escrita criativa). 
                 Alguns escritores brasileiros já foram beneficiados por esses programas em universidade norte-americanas, como Raimundo Carrero, Charles Kiefe , Affonso Romano de Sant’Anna e outros. Estou a me lembrar agora de uma afirmação antiga de Álvaro Lins (1912-1970) que, nos seu tempo de apogeu  de crítico confessara que,  no futuro, chegaria a vez de termos, numa só pessoa, o critico e o escritor ou criador,  o que, de alguma forma, era uma previsão do que seria a universidade de nossos dias.Eu mesmo, para um concurso literário, lá pelos meados da década de sessenta, escrevi um ensaio cujo titulo era “Sairão das faculdades de Letras os nossos futuros escritores?”
              Podemos negar essa realidade? Não. Resta, porém, saber se essa escrita criativa é totalmente positiva ou se nela se embutem também as pressões do mercado editorial, cada vez mais exigente, competitivo, exigindo-se novos tipos de escritores que possam se amoldar aos novos tempos de escrita literária, que possam se harmonizar à realidade dos leitores do mundo tecnologizado. 
                Por outro lado, não resta dúvida de que se o aluno tem aula de escrita criativa com um escritor já tarimbado, muitas vezes bem premiado, não deixa de ser um privilégio receber lições de técnicas narrativas que só irão aperfeiçoar a  experiência de  um aprediz de escritor, e até mesmo de um escritor mais velho que queira melhorar o estilo e atualizar-se literariamente.
           Porém, é verdade também que alguns alunos que procuram tais cursos já têm em si todo um potencial de um futuro escritor criativo  que seguramente irá ter sucesso na sua carreira. Nos curso de criação criativa  só terão a lucrar.              

          Alguns escritores famosos mostram-se resistentes a acolher a  escrilta criativa e tampouco a aconselham. Entretanto, nos EUA, a procura nas universidades por esse tipo de curso e de diploma de escritor está crescendo, segundo afirma o citado Mark Mcgurl, e em parte está suplantando, nos departamentos de letras, os cursos de literatura e teoria literária.
               No país, as oficinas literárias,  segundo  acentuamos, estão em ritmo acelerado, e tanto são dirigidas por autores mais velhos  quanto pelos  mais novos, a exemplo de Luís Antonio de Assis Brasil, Charles Kiefe, no Rio Grande do Sul;  Raimundo Carrero, em Pernambuco; Marcelino Freire (que, por sinal, foi aluno de Raimundo Carrero), em São Paulo; Silviano Santiago, no Rio de Janeiro; Esdras do Nascimento,  também no Rio de Janeiro (já citado), entre outros. Tais oficinas   se vão disseminando pelo país afora. Alguns escritores  que   lhes são favoráveis  são detentores de cobiçados prêmios. Daniel Galera, que assina substancial artigo sobre o assunto na mesma edição do Mais!, já com alguns livros   publicados, também é exemplo desse tipo de escritor que passou  por oficina literaria. Foi aluno de Luís Antonio de Assis Brasil nas oficinas literárias da PUC-RS. Seu artigo demonstra o entusiasmo desse jovem escritor pelo aprendizado complementar através da oficina literária.
             Por outro lado, há que se fazer menção de um dado determinante na carreira de um escritor: sem um potencial inato, sem vocação incoercível a essa atividade literária, sem muita leitura atenta e observadora da escrita dos grandes autores consagrados, tanto nacionais quanto estrangeiros, a melhor oficina literária pouco fará. O máximo  em resultado seria  uma visão teórica segura dos mecanismos da narrativa, do conhecimento das técnicas antigas e contemporâneas.
            Um grande escritor ou um bom escritor podem ser oriundos de qualquer atividade profissional: economia, medicina, advocacia, química, física, astronomia, diplomacia, jornalismo etc, etc, mas se lhe falta o chamamento em potencial, o curso de formação de escritor será  pouco funcional. O mínimo que poderá conseguir é fazer do aprendiz de escritor uma pessoa com uma visão teórica da narrativa ou da poesia, um professor de literatura, de redação ficcional, mas não um escritor no rigor da palavra.
           Todavia, não se pode desconhecer os avanços que disciplinas como análise do discurso, teoria do texto e campos de estudos linguísticos afins têm obtido   para que hoje  possamos dispor de um arsenal de conhecimentos dos mecanismos internos da escrita que tanto têm desenvolvido e aperfeiçoado a prática de redação nos vários níveis e para os vários fins a que se propõem. Ou seja, o estudante de hoje, quando interessado, conta com as conquistas admiráveis desses campos de investigação da escrita  visando a melhorar sua competência  linguística neste sentido. 
           Numa  observação final, gostaria de  colocar  a seguinte reflexão sobre o assunto deste artigo: conheço vários professores de língua portuguesa que, bons conhecedores da gramática, bons leitores dos grandes autores, argutos na arte de melhorar redações de seus alunos e até mesmo  trabalhos de revisão e aperfeiçoamento de livros escritos por outrem, são incapazes de redigir bem, com originalidade,  fluência e bom estilo literário. No passado,  lembremo-nos do caso de José Veríssimo( 1857-1916) e de seu estilo pesado e tortuoso tão criticado  na sua época.  De outra parte, lembremo-nos de ensaístas e críticos contemporâneos que escrevem barrocamente, num estilo empolado, “estilo em espiral 'como já disse um colega do magistério. Essas pessoas, cultas, sabidamente muito lidas e versadas nas suas áreas, quando  escrevem, nunca serão bons estlistas. Isso confirma – e aqui tenho que reconhecer a validade da escrita criativa -,  que não é só com muita leitura que se faz um bom ou ótimo  escritor. Há outros fatores envolvidos nessa seara , por vezes áspera, mas fascinante e até mágica.