Obscuridade
Por Bráulio Tavares Em: 21/09/2010, às 08H24
[Bráulio Tavares]
Os artistas sonham com a fama, em parte, por uma questão banal de carência afetiva (querem ser elogiados, aplaudidos, paparicados) e em parte porque acreditam que ela lhes proporciona onipotência, superpoderes. Como se dissessem: “De agora em diante, vou fazer somente o que eu quero, e do jeito que eu quero”. Lamento informar que, daqui de onde vejo os famosos, não é bem assim. A fama multiplica as oportunidades, mas essa própria multiplicação subdivide o tempo e a energia do famoso. Uma vez vi uma entrevista da empresária de Caetano Veloso explicando a alguém que teve um pedido recusado: “Caetano recebe vinte pedidos por dia para shows ou participações em eventos. Não pode aceitar todos”. Numa entrevista à revista Wired, George Lucas explicou por que não costuma surfar na Internet: “Meu trabalho exige que eu me reúna com grupos que somam cerca de 250 pessoas por dia, todos os dias, e quando tenho algum tempo livre eu o dedico a minha família”.
Quando o sujeito fica famoso começa a ser chamado para coisas que sempre teve vontade de fazer, mas também para centenas de coisas que não lhe interessam nem um pouco, e que querem apenas contar com um famoso a mais em sua galeria de fotos e em sua “área VIP”. Essa industrialização da fama para qualquer um e a qualquer preço é uma das forças mais massacrantes que a estupidez humana botou em movimento através da imprensa. Para os carentes que citei nas primeiras linhas, é o Paraíso. São paparicados porque são famosos, e são famosos porque são paparicados. Para um sujeito que quer continuar trabalhando a sério, a fama traz mais atrapalhos do que soluções.
Poucas leituras serão tão depressivas quanto as cartas de Robert Heinlein sobre o assédio dos fãs, em seu volume póstumo de correspondência, Grumbles from the Grave. No auge da fama, Heinlein não escrevia mais literatura, porque tinha de viajar o tempo inteiro para dar palestras, participar de convenções, etc., e o tempo que podia dedicar à escrita era para responder dezenas de cartas de leitores todo dia. Para não falar nas centenas de visitantes implorando uma ou duas horas de papo. Aos 74 anos, doente, cortou os laços com o mundo exterior, e em poucos anos escreveu Friday (1982), Job (1984), The Cat Who Walks Through Walls (1985) e To Sail Beyond the Sunset (1987). Talvez não sejam seus melhores livros, mas, dane-se, são os livros que ele queria escrever e ninguém deixava.
Virginia Woolf, autora do célebre Um quarto só para si, disse: “Enquanto a fama bloqueia e constringe, a obscuridade envolve uma pessoa como se fosse uma névoa; a obscuridade é escura, ampla, e livre; a obscuridade permite que a mente trace seu caminho sem encontrar obstáculos. Sobre o indivíduo obscuro pousa a impregnação suave das trevas. Ninguém sabe onde ele vai nem de onde está vindo. Ele pode ir em busca da verdade e pode proclamá-la; ele é o único que é de fato livre; o único que é verdadeiro, o único que experimenta a paz”.