O verão, o vento
Por Rogel Samuel Em: 13/03/2009, às 03H06
O verão, o vento
O verão, o vento
Rogel Samuel
Chega o verão e continua, mormaço e cansaço, chuvas tardias, cai o sol, cai na alma, verão de ventos velozes, de mar sujo.
Não é o amazônico do grande Bacellar que diz:
No livre azul o sossegado vento
lívido sonha linhas de escultura
que moldará nas nuvens no momento
de apascentá-las pela tarde pura.
Luiz Bacellar nos fala sempre quando vejo esse azul livre da tarde pura de livre azul. De nuvens e de tardes. Verão inania verba de Bilac:
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
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E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?
Hoje sofro o verão. Passo pelo mar distante, vestido. Mas um fio de esperança perfumada me fez ficar, perder-me. Naquele limite da linha do horizonte me firmo. Que sonhos trará esse fim de verão, com os seus mornos dedos azuis? Passa a brisa...
Num arrepio de pressentimento
o ruflo de asa risca na brancura,
o sol arranca brilhos do cimento
do muro novo, a folha cai. Madura.
Todo verão proclama: a tarde limpa,
esmaltada de claro; pela grimpa
do morro verde a cabra lenta vai...
A luz resvala na amplidão sonora.
Por que senti roçar-me a face agora
um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?
(Continua o soneto de verão, Bacellar).
Sim, o verão do Rio difere em sua luz. Sua amplidão. Sem os muros claros de Olinda. O cimento caiado, de Cabral. Reflete o branco o sol, o lento sol. E à noite as estrelas inquietas, como as ilhas do verão de Fernando Pessoa, que sonhou com nossas margens, com nossas antilhas...
Evoca estrelas sobre a noite estar
Em afastados céus o pórtico ido...
E em palmares de Antilhas entrevistas
Através de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de ametistas,
Sim, a transparente solidão do ar, em ruído e em bando, o triunfo de pássaros no horizonte, cortinados de ametistas praias espalmadas palmares vistas entrevistas distantes diamantes o espaço imperfeito do amor. O ver verão. Asas sobre a praia, "Para onde vai a minha vida, e quem a leva?" (tece Pessoa:)
(Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
Estou no meu olvido...
Dorme, coração...).
No Rio o verão ganha significado: a vida pulsa, sua, lateja. O verão mostra que o Rio está vivo... e eu quase me mudo para Tiradentes...