O tempo do escritor
Por Maria do Rosário Pedreira Em: 27/02/2011, às 13H23
[Maria do Rosário Pedreira]
Sou vítima de stress desde que trabalhei num projecto que tinha prazo certo para ficar pronto e no qual nada podia ser adiado. Nessa altura, labutava até às tantas da manhã para deixar tudo pronto e vivia no pânico de me esquecer de alguma coisa – a ponto de, terminado o projecto, dar por mim a decorar sem querer todas as coisas que via escritas (mesmo que em toldos de pastelaria, carrinhas de lavandaria ou etiquetas de roupa). Nunca mais me curei nem consegui reaver a tranquilidade que me permitiria organizar racionalmente o tempo e tenho, por isso, inveja de quem consegue fazer um uso perfeito das horas que passa acordado. Miguel Real, por exemplo, é um ás na matéria: consegue ler tudo o que sai de literatura portuguesa, escrever dois livros por ano, redigir quinzenalmente uma crítica literária, criar textos teatrais, dar cursos de literatura, ser professor de Filosofia do Ensino Secundário, prefaciar e apresentar livros de outros autores (e escreve sempre à mão as primeiras versões). Um dia, perguntei à Filomena, sua mulher, se ele dormia – e ela respondeu-me que as oito horas necessárias a tanta actividade. Perante a minha surpresa, confidenciou-me, porém, que ele era capaz de ficar a escrever no parque de estacionamento do supermercado enquanto ela ia às compras e que não viam televisão nem iam ao cinema. Mesmo assim, achei que é precisa uma grande organização mental para conseguir produzir tanta coisa de monta. Mas cada escritor tem, certamente, o seu tempo.