O Silêncio dos Eleitos, a Voz dos Togados
Por Marcelo Martins Eulálio Em: 03/07/2025, às 10H19

O Silêncio dos Eleitos, a Voz dos Togados: Da omissão legislativa ao ativismo judicial
[*Marcelo Martins Eulálio]
A Constituição de 1988, tida como o marco da redemocratização brasileira, confiou ao Poder Judiciário um papel novo e audacioso: o de guardião da ordem constitucional. Desde então, o Judiciário – Supremo Tribunal Federal - passou a subir ao palco com mais frequência, não apenas para resolver conflitos, mas para dar a palavra final em temas que, muitas vezes, o Legislativo evitou enfrentar. Nascia, ali, o cenário propício ao chamado ativismo judicial.
Luís Roberto Barroso, antes mesmo de vestir a toga do Supremo, em artigo intitulado “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática” já apontava as causas desse fenômeno: uma Constituição detalhista, um modelo de controle de constitucionalidade híbrido e, acima de tudo, uma crise de representatividade. O povo não se sente mais representado por seus eleitos, e os eleitos, por sua vez, evitam temas polêmicos como quem foge de incêndio. Jogam a batata quente no colo do Judiciário, que, por sua vez, assume o papel às vezes de juiz, outras vezes de legislador, de administrador, de mediador, de salvador.
Mas o Ministro Barroso advertia: o ativismo judicial é como um antibiótico. Pode curar, sim. Mas seu uso excessivo intoxica. É um remédio que deve ser ministrado com parcimônia, sob risco de matar o paciente que se pretende salvar: a democracia.
Quando o Judiciário ultrapassa os limites de sua função e passa a decidir sobre matérias que competiriam ao Legislativo ou ao Executivo, compromete-se o princípio da separação dos Poderes. A independência e a harmonia entre eles, fundamento essencial do Estado Democrático de Direito, começa a ruir. Em vez de equilíbrio, instala-se o descompasso institucional.
Treze anos se passaram, e a advertência do Ministro Barroso parece ter ecoado no voto do ministro André Mendonça, vencido na recente decisão do STF sobre a responsabilidade das plataformas digitais. Para ele, era o Congresso, não o Supremo, quem deveria reescrever as regras do jogo. O Judiciário, afirmou, invade cada vez mais espaços alheios, legislando sobre o que não lhe cabe, desenhando políticas públicas, quando deveria respeitar os limites constitucionais de sua atuação.
É urgente que o Legislativo acorde e cumpra seu papel com mais competência, coragem e responsabilidade. E que o Executivo abandone o comodismo das disputas políticas vazias e retome sua função de gestor do bem comum. O país não pode continuar sendo governado por omissões.
Concluindo, torna-se necessário reafirmar a importância do equilíbrio entre os Poderes da República. Legislativo, Executivo e Judiciário devem atuar com independência e harmonia, como prevê a própria Constituição, evitando a concentração de poder, os abusos de autoridade e as ingerências indevidas. Cada Poder tem sua função própria e indelegável - legislar, governar e julgar - e o funcionamento saudável do Estado democrático de direito exige que cada um cumpra seu dever com responsabilidade, limites e respeito mútuo. Quando há desequilíbrio, todos perdem: a democracia enfraquece e o povo sofre as consequências.
Referências:
Marco Civil: STF invadiu competência do Legislativo, diz Mendonça. https://www.migalhas.com.br/quentes/433706/marco-civil-stf-invadiu-competencia-do-legislativo-diz-mendonca. Acesso em 01 de julho de 2025.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn] Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 23-32, 2012a. Disponível em: https://www.e-publicacoes. uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433/5388. Acesso em: 01 de julho de 2025.
Crédito da imagem: https://plenarinho.leg.br/index.php/2017/09/os-tres-poderes/. Acesso em 02.07.2025.
*Marcelo Martins Eulálio é advogado, professor universitário e Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí.