O silêncio
Em: 08/11/2014, às 19H06
Quando éramos simplórios primatas, o silêncio era indício de não ameaça. No entanto, com o tempo, os humanos afastaram o silêncio.
Indo fundo na história da humanidade, foi pela comunicação corporal, pela histrionia, pelo gestual e pela fala, que os humanos criaram o labor, a divisão do trabalho e a civilização. Ou seja, o homo sapiens preencheu a mesmice e o silêncio com comunicação abundante e mudou o mundo.
Nos dias correntes, o silêncio é importante na comunicação social e no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos.
Ele é o das pausas na música. É o da pontuação dos textos orais e escritos. É aquele que se experimenta quando se está só e nada se altera no ambiente.
Imagino ainda o silêncio máximo, em que nem as coisas, nem o relógio, nem a tela do celular ou do tablet se movimentam, sacodem ou dão sinal sonoro típico. Silêncio sem leitura de nada. Mesmo a palavra escrita é virtualmente som, uma vez que transporta a fala oral. Há o silêncio que alguns criam em si mesmos quando meditam.
Lembro-me do silêncio defensivo que praticamos por não termos uma resposta a dar a quem nos pergunta. Ou daquele, maroto, que usamos para obter um resultado vencedor sobre o nosso interlocutor, seja qual for o assunto ou a disputa. Penso no uso do silêncio, pelos pais, para deixar os filhos pensarem no cabimento do que lhes acabam de dizer. Lembro-me do silêncio da pessoa ofendida que quer mostrar sua mágoa, sem que estique uma discussão. Registro aquele do pensador ou cientista que suspende suas conclusões para obter mais tempo de observação. Recordo do estudante que precisa refletir, calado e inerte, sobre o que lhe foi passado ou para incorporar organizadamente a novidade. Penso nas pessoas que estiveram em peripécias de muita ação, que precisam da visão em retrospecto, para avaliar o que de verdade houve e não se percebeu no calor dos fatos. Vem-me à mente os educadores que impõem, no ambiente escolar, o silêncio e a imobilidade aos alunos para pontuar ou separar o tempo de uma atividade que já terminou daquele de outra que ainda vai começar. Vem-me ainda o silêncio, na percepção dos juristas, que, para eles, indica consentimento. Penso na oração, sem palavras, de agradecer-se a comida que se vai comer ou a chegada de alguém bem-vindo.
O nosso mundo consumista do século XXI é ensurdecedor, agitadíssimo, sem fronteiras e intervalos. Ele precisa ser contraposto com muito silêncio.