O SÁBIO

Fila de caixa do supermercado, três pessoas: a primeira sendo atendida, eu e, logo depois de mim, um cidadão forte, baixo, cabelos brancos, um tanto musculoso para a idade que parecia ter.
 De repente, chega, vindo do lado dos caixas exclusivos – para idosos, gestantes e portadores de deficiência – cuja fila, naquele momento, estava, senão igual, menor que a nossa, um homem jovem numa cadeira de rodas motorizada.


 Foi logo avisando que, assim que a moça à minha frente concluísse sua compra, seria ele o próximo. Nem tive tempo de concordar ou discordar, pois o senhor que me sucedia quis saber dele por que achava que devia ser atendido, preferencialmente. Sou deficiente, argumentou. E quem não é? Questionou. Deficiente físico, cara. E daí? Eu e meu colega da frente também somos; enfim, todos são.  Ah! Vejo que é um gozador. Não! Estou falando a verdade e posso provar. Está vendo este parceiro? E tocou em meu ombro.  É mais alto do que eu; logo, em relação a ele, sou deficiente em altura. E a senhora, àquela altura, já pagava sua compra. Estou mais gordo que meu amigo – que era eu -, o quer dizer que ele é deficiente em peso, se comparado comigo. Não tenho dúvidas de que sou mais velho que vocês dois; então, tomando a idade mais avançada como referência, quem seria o deficiente? Em suma: desde que criaram o homem sabe-se que ele é um ser imperfeito, incompleto, ou seja, um indivíduo, naturalmente, deficiente.


 E continuava: agora, se quiser, pergunte a meu amigo – eu, que já colocava minhas mercadorias na esteira do caixa – se lhe pedi seu lugar e vez na fila, em razão da minha idade. Por que faria, se me sinto bem? Só para deixá-lo para trás


 Moço – não era mais senhor o tratamento dispensado ao experiente contestador –, por acaso, quer me confundir? De forma nenhuma. Só estou tentando argumentar baseado em fatos. E eu lá, finalizando minhas compras. A fila que você rejeitou, naquele instante, tão pequena quanto esta, é exclusiva para nós, idosos e deficientes. Por que não ficou lá? No meu caso não havia diferença, pois, em qualquer delas, seria o último, posição na qual o senhor quer que eu permaneça. Tenho idade para estar nesta, e na sua frente, porque cheguei primeiro. E eu já pagando minha compra.


 O senhor é preconceituoso, disse o deficiente assumido. Não, você é que está se valendo de sua condição para obter privilégio; quer sobrepujar alguém, principalmente, por se considerar deficiente. Talvez isso faça bem a seu ego Um aparte: eles conversavam em tom moderado, todavia, outras pessoas, estavam ouvindo-nos. Eu não afirmaria, no entanto, penso que seu maior problema não é sua deficiência física de locomoção.  Falava enquanto já colocava seus produtos na esteira. E qual seria, ó sabichão?  Aparentemente, perdendo a paciência. Você é desligado, desatento, preocupado com fatos sem importância. E o senhor – retomando a deferência inicial - é um falador, um velho faroleiro e falacioso. Acha-se o dono da verdade. Vou voltar para a fila dos deficientes. Lá não precisarei ficar me explicando nem jogando conversa fora.


 Com isso só comprova minha tese quanto a seu maior defeito. Sair daqui no momento em que chegou sua vez... A fila dos que chama deficientes está imensa e, certamente, não o deixarão furá-la. Fique aqui: já terminei minha compra.


 Amigos?  E lhe estendeu a mão de velho filósofo. Como não? Respondeu o convicto deficiente, aceitando o cumprimento e complementando: o senhor é um ilusionista, um mágico, um sábio. Obrigado pela lição.


     Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense
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