Marque Rabelo (1907-1973), pseudônimo de Edy Dias da Cruz, pertence àquela linhagem de romancistas que, na evolução dos processos narrativos, não realizam grandes transgressões da linguagem, como o fez Guimarães Rosa, um revolucionário de tratamento da linguagem literária e da própria estrutura narrativa. Como Machado de Assis, Lima Barreto, autores nos quais a crítica aponta um parentesco, Marques Rabelo em A estrela sobe (1938) elege como componente fundamental da diegese -- a sondagem psicológica tipificada na personagem central, Lenilza.
              Costumou-se também ver na obra de Marques Rabelo a vinculação profunda do autor com a cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, não é a cidade, no seu lado suburbano, central ou mesmo da zona sul carioca, que faz movimentar essa narrativa, voltada toda ela para o drama individual de uma mulher. As antenas do romancista se voltam para a análise e observação do drama humano. Neste sentido, o romance em causa adquire uma dimensão universal, portanto.
           O lado físico da cidade, a natureza servem como ressonância dos estados emocionais dos personagens, à semelhança do que ocorre, por exemplo, com Graciliano Ramos, ou mais remotamente, com Machado de Assis.
          O romance se desenvolve graças ao desvendamento do mundo interior dos personagens e estes quase sempre são vistos através de uma visão desencantada do ficcionista ou mesmo dos personagens. Não há na narrativa aquele instante de absoluta alegria, há, sim, um lirismo de nota geralmente triste. O tom do ambiente é em geral triste devido por certo ao jogo de interesses escusos envolvendo quase todos os personagens. Só escapam desse círculo de mesquinharias a mãe de Lenilza e o seu Alberto. Tudo mais é matéria de interesses e sutilezas humanas. Quase todos falam uma linguagem permeada de sentimentos baixos. Ninguém fala o que vem do coração. Daí o discurso interior dos personagens de uma extração que nos lembra certos personagens pérfidos da tragédia shakespeariana com os seus monólogos obsediantes.
         O romance se inscreve no chamado neo-realismo de 30, na sua vertente urbana, e talvez por isso, por focalizar o drama das grandes cidades, o drama individual seja o componente que mais interessa ao ficcionista. Na realidade, a cidade do Rio de Janeiro e os seus problemas levam necessariamente à preocupações sociais, psicológicas, existenciais.
         Rebelo conseguiu intencionalmente ou não compor uma galeria de tipos ou caricaturas humanas. Lenilza é a jovem bonita, carioca, suburbana, que aspira ao estrelato de cantora de rádio da década de 30. Mário é o protótipo do picareta e aproveitador sórdido. Porto, o homem de rádo, com todo o seu jogo de cintura para despistar-se dos problemas alheios – um traço também muito comum no homem da grande cidade -, com os seus distanciamentos interpessoais, fugindo às intimidades e aos envolvimentos. Oliveira, o médico medíocre e sem horizontes, vende aparências, com certo prurido moralista e incapaz de uma decisão mais forte. O velho Amaro, libidinoso, que vê em Lenilza tão-somente um objeto para a satisfação sexual da vaidade senil, também constitui um tipo caricatural  muito comum  na sociedade em qualquer época.  
       Enfim, são figuras que simbolizam, quem sabe, até hoje, mutatis mutandis, a nossa vida artística.     Afora essa variedade de tipos humanos, o autor de Marafa (1935) põe em foco temas ainda atuais, como o aborto, o homossexualismo feminino. Sem tomar partido de ninguém, o ficcionista apenas abre ao leitor a perspectiva de discussão em torno desses temas.
     O que se destaca basicamente da estória de Lenilza é a oportunidade que o leitor tem de se defrontar com o mundo de superficialidade, de baixezas, de mentiras que subjazem ao desejo de ser artista. Hoje, esses bastidores, proporcionalmente, poderiam ser estendidos ao mundo glamouroso dos artistas de telenovelas.
      As atitudes, os sentimentos de Lenilza explicitam mais os motivos do romance do que outra coisa. Marques Rebelo compõe sua personagem dentro de um esquema de personalidade humana que, desde a adolescência, prefiguraria as ações futuras de Lenilza. Bonita, sedutora, dissimulada, determinada, orgulhosa, prática, pronta a não ceder seus atrativos físicos a um Astério qualquer, mas pronta a ceder seu corpo como trampolim para suas aspirações a um capadócio como o Mário, que a deflorou, numa cena narrada com grande emoção e dramaticidade. Não  podemos desconhecer certos traços da mulher machadiana no que tange a interesses escusos a fim de colimar certos objetivos práticos da vida.
     Lenilza queria conquistar um lugar na vida artística a todo custo. Por isso, não subiu, mas desceu à lama e à indignidade humana, ao contrário, em muitos aspectos, dos personagens femininos machadianos. Ela não inspira piedade, mas um sentimento de desprezo. No final do romance, o narrador definindo-se como romancista, afirma que não “abandonou” sua personagem principal, mas “perdeu-a.” Uma trama, portanto, construída de ambigüiades, uma estória que se sustenta através da mentira, da indignidade e das misérias humanas, uma estória, enfim, que se estrutura através de personagens ignóbeis e fracassados.
     Há, no entanto, uma faceta do romance que não sei se escapou a algumas análises já feitas sobre o livro. Ou seja, a configuração de época se esfuma na narrativa. Não se sente no romance um aprofundamento maior e mais completo do ambiente artístico A narrativa, por ser objetiva, e na qual se nota já uma influência da técnica cinematográfica, se ressente desse panorama mais vivo e aparentemente fascinante da vida de cantora de rádio, com todo o seu aparato e fantasia, com os seus fãs-clubes e suas repercussões no grande público através da mídia de então.A visão desse espaço social se me parece por demais esquemática, incompleta mesmo, talvez porque ao ficcionista carioca iimportasse  transmitir sobretudo esse mundo à parte, essa falta de segurança que caracterizam os bastidores do mundo artístico daquela época. Nem podemos exigir de um artista perfeição em tudo.