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[Inscrição para um portão de cemitério]
A morte não melhora ninguém...
Mario Quintana
Definitivamente, não gosto de enterros. E, para falar a verdade, menos ainda de velórios. Sei de gente que gosta e até procura nas páginas dos jornais o obituário só para ter a oportunidade de dar uma passadinha no cemitério. Esse, com certeza, não é o meu caso.
No entanto, a vida nem sempre nos dá aquilo que queremos. Às vezes ela nos obriga a fazer coisas que não desejamos e até detestamos. E, justamente, por causa dela, da vida, já fui a vários velórios e em todos eles percebi poucas diferenças. Os defeitos do morto são esquecidos, apenas as qualidades são lembradas, a ponto de quase transformá-lo em um santo, mesmo que em vida tenha estado muito longe disso. Dá até vontade de rir.
Contudo, para mim, a pior parte é a hora das condolências: “O que dizer? O que não dizer? É preciso dizer alguma coisa?”. Alguns apenas murmuram palavras desconexas acompanhadas de expressões de pesar. Outros se limitam a um abraço dando a entender que se solidarizam com o sofrimento dos que permanecem vivos. Enfim, cada um tem o seu jeito de lidar com esse momento – emocionada ou de forma mais contida –, não importa, o fato é que se trata de uma situação, não só difícil, mas terrivelmente constrangedora.
De qualquer maneira, velório é um ritual a ser cumprido com um protocolo a que, mesmo não estando escrito em lugar algum, todos se sujeitam, sem perguntas ou exigências. Aproximar-se do caixão para rezar (ou apenas olhar) pelo morto e as condolências nada mais são do que partes desse ritual. Além dessas, no entanto, existe outra que, em minha opinião, caracteriza o velório propriamente dito: o momento na qual os vivos se permitem “relaxar”.
Nessa hora formam-se grupos de conversa que, na maioria dos casos, se organizam por afinidade. Alguns se dispõem a falar dos últimos momentos do morto, dando detalhes e mais detalhes de como foi o seu “passamento”, colorindo-o, com informações novas e, segundo eles, “sigilosas”. Outros se lembram do morto quando ainda vivo, trazendo para a conversa episódios do seu passado, de preferência histórias pitorescas, para animar o momento, “pois o morto não ia querer vê-los tristes e chorosos”. E, é claro, há o grupo dos: “Ai, meu Deus, que desgraça”. Esse último costuma ser o mais barulhento. Graças a ele é que os outros grupos continuarão tendo assunto durante e, quem sabe, depois do enterro.
Os familiares mais próximos, enquanto isso, a tudo assistem. Alguns até participam ativamente dos diferentes grupos de conversa, mas outros preferem ficar apenas sentados, olhando pela última vez para aquele que até bem pouco tempo fazia parte das suas vidas.
E o morto? Esse permanece deitado em seu caixão, com sua melhor roupa, coberto de flores que rapidamente começam a murchar. A atmosfera aos poucos vai ficando carregada de odores – mistura de formol e folhas mortas – que se colam aos narizes de todos os presentes.
O velório também tem o seu próprio tempo, diferente do que corre lá fora. Os vivos até podem continuar tendo pressa, mas o morto... Esse, agora, tem todo o tempo do mundo.
Definitivamente, não gosto de enterros. E menos ainda de velórios. No entanto, o certo é que a minha vez chegará, como chega para todos. Nesses momentos, brinco com a ideia de que se pudesse, no meio do meu velório, levantar-me do caixão para dar um último recado, diria: “Por favor, vão embora, me deixem em paz, pois na morte o que menos desejo é a companhia dos vivos”. Depois, satisfeita por ter comunicado a minha última vontade, voltaria a me deitar na esperança de ter por única companhia o silêncio respeitoso do coveiro, pois esse entende como ninguém o significado da morte.