Cunha e Silva Filho


                      Já aprovada, por Lei federal, pelo Presidente Lula, o Novo Acordo Ortográfico brasileiro segue o seu caminho, não suavemente, mas cheio de escolhos, de reprovações silenciosas, muito ao gosto do brasileiro, embora, entre professores de português, alguns filólogos ou linguistas conhecidos, sobre os quais recaem maior responsabilidade e maior peso de consciência de suas conclusões – a mudança dos hábitos de nossa grafia seja objeto de acerbas críticas e descontentamento. 
                    É bem verdade que o tempo procura curar muitas feridas, mas deixa cicatrizes e estas se estampam nos pareceres e juízos insatisfeitos ou impotentes dos usuários da língua de Bilac.
Tenho para mim que o mais recente Acordo Ortográfico feito em conjunto com os países outros de Língua Portuguesa, merece, sim, reparos e não são poucos. Só quem não quer ver, não enxerga, não obstante os seus ferrenhos defensores tanto no país quanto em parte lá fora. 
                   Os grandes prejudicados das mudanças gráficas são os mais velhos, os que passaram por várias reformas no país em convênio com o além-mar ou por imposição unilateral interna com o apoio de alguns gramáticos e filólogos de nomeada. Reformas ortográficas, no meu entender, demandam bastante discussão, além de um tempo suficientemente dilatado entre as discussões de alto nível e a sua aprovação pelo Presidente da República. Do contrário, se torna açodamento e, como tal, muito sujeito a erros e imperfeições de toda espécie. Um outro ponto, as reformas podem esconder certos pressupostos ideológicos e políticos, além de se prestarem enormemente a ganhos econômicos da parte do setor editorial
                 Me lembro de que meu pai, traquejado jornalista, em carta a mim anos atrás, escrevia, por vezes, certos vocábulos, sobretudo uso de formas verbais na terceira pessoa do plural, não obedecendo, por razões mesmo de antigos hábitos gráficos, às modificações posteriores a 1943. 
               O excessivo caráter fonético imprimido à nova ortografia à maneira da língua inglesa, por exemplo -, não ajuda o usuário nos casos envolvendo o timbre aberto ou fechado dos ditongos ou hiatos grafados com acento circunflexo ou agudo, antes do novo Acordo ou Reforma, assim como o emprego do trema, que pode provocar erros de pronúncia ou mesmo hesitação de pronúncia correta no próprio nativo da língua de certos vocábulos, como em “líquido”, “quinquênio” ou análogos, que, sem o trema, poderiam ser lidos como se fossem dígrafos.
              Um outro caso -verdadeiro calcanhar de Aquiles dos professores de português -, seria o emprego correto do hífen. Por que não fazer como na língua inglesa falada pelos americanos, onde o uso do hífen não é rígido? Ou a ausência agora do acento diferencial entre “para” (verbo) e “para” (preposição)? Donde posso concluir com facilidade que escritores, jornalistas, advogados, juízes, enfim, gente ligada à atividade da escrita, quando mais avançados na idade e não sendo, é claro, filólogos, gramáticos, linguistas ou professores de Língua Portuguesa, tendem a vacilar quanto às mais recentes alterações gráficas do vernáculo. Às vezes, tenho a impressão de que o novo Acordo atendeu mais às pretensões lusófonas e, em outros casos, instaurou um certo caos ortográfico entre o Brasil e Portugal. Nesse ponto, mais uma vez a língua inglesa foi muito mais prática do que o português, uma vez que as diferenças gráficas são mínimas, ajudadas – devo reconhecer – pelo fato de que o idioma inglês é muito fonético na sua fase moderna.
          O fato se assemelha a um país, como o Brasil, que, em certa fase relativamente recente de sua história econômico-financeira, se viu às voltas com mudanças bruscas no seu sistema monetário, causando, dessa forma, inúmeras dores de cabeça às pessoas que, no momento da mudanças, se veem enredadas num cipoal de incompreensões com os cortes de zeros e a divisão da unidade monetária. Por muito tempo, as pessoas, mesmo relativamente instruídas, mostram certa confusão ao lidarem com a nova moeda e a consequente dificuldade de embaralhar o sistema anterior com a nova moeda. Daí que se leva tempo para assimilar bem o manuseio correto com os centavos na compra de produtos, no bilhete de passagens de ônibus etc.
         Na situação da Reforma ou Acordo Ortográfico recente, já em pleno vigor,vai a média da população letrada ou semiletrada, nos pequenos ou mais extensos usos da língua escrita, cometendo erros, silabadas, cacografias, os quais – é engraçado constatar -, não são perdoados pelos caçadores de erros, que os há muitos e inclementes.
        Ora, ninguém , com independência de pensamento, terá a coragem de afirmar ser a atual forma ortográfica uma maravilha. Quando o usuário da língua escrita se depara com o emprego ou não do hífen, com a ausência de acentos em ditongos abertos, com o uso de formas mesoclíticas, com a grafia de vocábulos com hiatos em formas verbais, não me vai ele afirmar que é o dono da cocada preta. Forçosamente, vai ficar no muro, vai vacilar e – como naquele pequeno e antigo conto de Artur de Azevedo (1855-1908) “Plebiscito”, vai, discretamente, consultar o novo Acordo Ortográfico, digamos, do filólogo e imortal Evanildo Bechara. Esse opúsculo deve ter vendido como água, acompanhado de tantas outras publicações, boas ou más, sobre o assunto. No fundo, toda mudança, embute um objetivo econômico.
      O poeta Ferreira Gullar já avisou a seus leitores que, no tocante à nova ortografia em vigor, está deixando os acertos no seus textos nas mãos da redação do jornal, a Folha de São Paulo.
Lá fora, no ultramar, vozes dissonantes da intelectualidade portuguesa, como a de Saramago e outros escritores lusófonos, não vão dar acolhida ao badalado Novo Acordo Ortográfico.
     Eu, da minha parte, sem fazer bulha e me misturando ao silêncio dos cordeirinhos brasílicos – o que se há de fazer? – vou usar, nos meus sufocos ortográficos, sobretudo do desalmado hífen, o mesmo procedimento do personagem pai do mencionado conto de Artur de Azevedo se não quiser cair no vexame diante de um filho ...
    Vê-se que parte da intelectualidade portuguesa formou um verdadeiro exercito de “desobediência civil” no que tange ao Novo Acordo Ortográfico entre o Brasil, Portual e as antigas colônias lusas.