O que você diria a Freud que assassinou um peixe?

[Chagas Botelho] 

Você que me lê agora, já viu um homem vendendo aquários, nas avenidas de Teresina? Eu já. Inclusive, agora a pouco, no lusco-fusco da tarde, esbarrei nele. Estava entre a Odilon Araújo e a Barão de Castelo Branco. Ele armou a barraca, espalhou as esferas cristalinas pelo tabuleiro simplório e ficou à espera de fregueses. Os peixinhos, uns de cabeças oblongas e outros não, nadavam para cima e para baixo. Confesso: grilei. Pois, ali, diante de mim, suportando um calor insalubre, havia um ambulante que ganhava a vida vendendo prisões aquáticas. 

Com a cena, pairou-me uma dúvida cruel. Cabe a você, amado leitor (a), por obséquio, me responder. Afinal, como se chama a pessoa que vende aquários? Aquarista? Aquaterrário? Siceramente não sei. Assim, peço ajuda aos nobres universitários para dirimir tal dúvida. Se não sabem, tudo bem, sigamos com a pescaria. Vamos em frente com a narrativa desse vendedor inusitado. 

Antes, porém, sem querer abusar da boa vontade de vós, me respondam outras incertezas. Qual é o perfil de quem compra aquário, assim no meio da rua? Decoradores? Criadores de peixes ornamentais? Ou um cidadão, ou cidadã que mora sozinha, e de repente, anseia por uma companhia ainda que seja um peixe? Não estranhe a esquisitice. Já li sobre um famoso escritor brasileiro que conversava com um mandacaru. Sim, meus senhores, um mandacaru esverdeado. Desses comprados na feira. 

Dirijo-me ao vendedor cujo nome real da sua profissão, desconheço. Pergunto-lhe de chofre: “deve ser difícil esse ganha-pão, não?”. Ele me olha dos pés à cabeça e responde lacônico: “nem tanto”. A sua resposta firme me surpreende. Emendo outra pergunta: “então é fácil, vende-se muito?”. Ele retruca: “depende do dia. Às sextas-feiras, vende-se mais. É o dia que as pessoas voltam para casa com desejo de desopilar com algo ameno — algo meio lúdico”. 

Filosofou. Belo poder de persuasão do senhor que vende peixes aprisionados. Que ainda orienta aqueles que desejam criar ou alimentar os seres pequeninos e com guelras! Dá dicas importantes para quem é um criador experiente ou não. Informa-me o valor de cada aquário. Pergunta se vou comprar algum. Digo que não. Sou incapaz de cuidar de mim mesmo, quanto mais de um peixe. 

É quando lhe confesso um homicídio. Um crime que cometi. Um ato culposo é claro. Certa feita, uma vizinha me pediu que cuidasse do seu peixinho Nemo. Que o alimentasse enquanto estivesse fora. Não hesitei. Ela trouxe o pequeno aquário com um peixinho laqueado com cores preto e vermelho. O bichinho estava assustado. Estava bem quietinho lá, junto com as algas. Talvez já prevendo o próprio fim. Que em breve não estaria mais apto a viver. 

À noite, monologando com o peixe, em confissões alcoólicas, atabalhoadamente exagerei na comida. Esvaziei o vidrinho. Quando me atentei, o bichinho tinha explodido de tanto comer. Como todo drama é um eterno conflito, nunca me perdoei pela ação irresponsável. 

Comprei outro igualzinho e entreguei à vizinha com um pedido de mil desculpas. Ao terminar de relatar ao vendedor a minha tragédia inumana, ele me olhou com caras de poucos amigos e me fuzilou com uma pergunta inquiridora: “o que você diria a Freud que assassinou um peixe?”. Não lhe respondi. Calei-me. Não dei um pio. Acho que nem o pai da psicanálise saberia explicar. Não comprei nenhum aquário. Fui embora de mãos vazias, apenas com a mente latejando em culpa.