É o homem que faz a sua idade.
Alceu Amoroso Lima, Idade, sexo e tempo
CUNHA E SILVA FILHO
Pensando em escrever essa crônica, me deu vontade de reler o magnífico livro, Idade, sexo e tempo (1938), do notável pensador católico brasileiro, crítico literário, teórico da literatura e polígrafo Alceu Amoroso Lima (1893-1983), mais conhecido pelo famoso pseudônimo que começou a usar, se não me engano, a partir de sua estreia, em 1919, como crítico de O Jornal, substituindo o mais mordaz crítico literário brasileiro, Agripino Grieco (1888-1973).
O mais curioso é que publicou aquela obra quando tinha só quarenta e cinco anos, o que não quer que dizer que só podemos escrever ou refletir sobre um assunto quando o vivenciamos. Isso me leva também a considerar, por exemplo, a afirmação de um padre a quem se perguntou por que ele se arvorava em discutir sobre o casamento se ele nem mesmo era casado e, por imposição dos votos de castidade, nem poderia tampouco casar-se.
Ora, uma coisa não leva forçosamente a outra e, se estendermos o mesmo raciocínio, seria o caso de se perguntar se um ficcionista não poderia criar um romance, um conto, uma novela ou uma peça teatral enfocando determinado tema se ele, o autor, não teve experiência sobre o que tencionava escrever. José de Alencar (1829-1897) escreveu o romance O gaúcho (1870) sem nunca ter vivido ou passado na terra dos pampas.
Vou parar de borboletear em outras direções temáticas e volto ao eixo temático desta crônica, que é o de lhe falar sobre sinais da velhice, me cingindo ao meu exemplo. Lá por volta dos vinte e nove anos, pela primeira vez - presumo -, senti um levíssimo sinal de que o tempo havia se lembrado de mim e me havia feito pensar, por uns minutos apenas, na questão pra mim tormentosa, que é o fluir do tempo.
Eu me encontrava em Teresina, em julho 1974, aonde fui pra matar a saudade de onze anos de ausência familiar naquela viagem de reencontros e ressignificações em muitas coisas: meus pais, meus irmãos, meus amigos, a minha Teresina, o Piaui. Viagem em que tudo era saudade e transformação: valores familiares, a vida, o futuro, os ganhos e perdas até então, enfim, as transformações que iam sendo sentidas e compreendidas já sob ângulos diferentes e inescapáveis ao meu mundo interior com reflexos dolorosos diante da realidade dura e irrefreável.
Aquela viagem tinha sido um tremendo divisor de águas, porquanto dela não sairia ileso nas grandes transformações de um moço determinado a enfrentar e sobrepujar grandes obstáculos na corrida em direção aos seus objetivos mais prementes da realização pessoal, como, de fato, ocorreu.
Na casa de meu pai, deitado numa rede da sala, eu me perguntei, em meio a outros pensamentos como numa escrita automática: “Vou completar vinte e nove anos ou trinta anos? Não é possível. Já tudo isso? Meu Deus! E agora? Essa perguntas foram tão rápidas quanto um foguete atômico.
Noutra ocasião, no Rio de Janeiro, voltando de um passeio a Petrópolis, num carro comprado por minha mulher, dirigido por um saudoso amigo, olhando pelo espelho retrovisor, notara, pela primeira vez, que a minhas têmporas, exibiam alguns fios espaçados de cabelo branco. Naquele instante percebi que o tempo mudava para mim e, contraditoriamente não me senti apavorado. A contrário, achei até que ficara mais atraente, pois via aquilo como um charme acrescido ao meu semblante ainda moço.
Anos se passaram desde aquele primeiro sinal do tempo. Este, implacável, já viria, apressadinho, me cobrar outros tantos anos vividos. É nesse sorrateiro vacilar do tempo que, por vezes, o malvado se esconde da gente para, de repente, num fechar de olhos, semelhante a um pesadelo, fazer o que chamaria agora de “enquadramento.” É quando percebemos no quotidiano um "senhor," um “seu”, uma "senhora", um “tio”, uma "tia", e, o que é pior, o trágico epifânico às avessas momentum (sobretudo trucidando os corações e almas femininos): o vovô, a vovó!
Daí em diante, o próprio tempo se encarrega dos apaziguamentos, ou não, dos novos idosos, dessa longuíssima fila que se avoluma, mais hoje do que antes, por causa dos avanços da medicina. Há quem goste desses tratamentos pra si e os recebe de bom grado. Outros como eu, não.
Sei que jamais poderei lutar contra o meu inimigo. Sei que ele é justo, lógico, no conjunto do que constitui as fases da vida humana. Sei que é inexorável, sei que é necessário esse passar do tempo. Mas sei também que para muitos se afigura injusto, cruel, dilacerante quando o corpo encarquilhado sofre os seus achaques.
Em países, como o nosso, socialmente injusto, envelhecer é pra muita gente um calvário. Quando uma pessoa raivosa, está brigando ou discutindo na iminência de ir às vias de fato, o primeiro termo que usa pra pessoa mais vivida é sempre um disfêmico e acabrunhador epíteto: “Seu velho,” “seu gagá,” “velho caquético” etc.
Ora, caro leitor, não sabem os mais moços que, num abrir e fechar de olhos, a sua mocidade estará enfrentado esse mesmo tipo de estigma contra os mais velhos. Se não morrerem antes, jovens, esperem o que lhes virá pela frente.