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[Carlos Castelo]

No final dos anos 1980 eu estava em Petrópolis, num hotel mais caído do que ponte na Transamazônica. Foi onde deu para ficar com o dinheiro do 1/3 de férias. Ao despertar, a surpresa: um frio de lascar e o chuveiro não esquentava.

Estressado, desci até a recepção e, para não xingar ninguém, apanhei uma gazeta petropolitana; comecei a lê-la, sem lê-la. Quando me acalmei, pincei uma notícia interessante. Uma entrevista com o publicitário Washington Olivetto onde ele falava sobre seu novo emprego.

Revelava W.O. que trabalhava com os pés em cima da mesa e que, em sua última viagem, se hospedara, em Paris, no mesmo quarto de hotel onde vivera Oscar Wilde.

Comparei o relato de Washington à minha vida. Trabalhava como redator numa deplorável redação de jornal, meu salário mal dava para pagar o sal, nem mesa tinha para plantar os calcanhares, e o hotel onde estava não produzia água quente.

Porém, ainda contava com um trunfo. Em minha agenda havia o telefone de W.O. Ao voltar das “férias”, a primeira coisa que fiz foi ligar para o golden boy. Recebeu-me gentilmente, como sempre fazia com a imprensa.

Disse-lhe que gostaria, por razões financeiras, de não ser mais copy de imprensa e me tornar copy de publicidade (na época, um redator de jornal, perto de um de publicidade, era esmoler).

W.O. quis conhecer meu portfólio. Puxei da bolsa dois elepês do Língua de Trapo dizendo que era o melhor que havia concebido na área de criação até o momento. W.O. não creu. Para minha sorte, o homem era fã de carteirinha do grupo. Dois dias depois estava empregado como copy numa grande agência, um ano depois recebi a notícia de que ganhara um leão de ouro no festival publicitário de Cannes, com o comercial Latas, para o cliente Araldite.

Na verdade, como vinha de outra área, não calculava a importância do referido galardão. Só avaliei melhor quando o CEO me chamou em sua sala e informou que meu voo para França sairia às 23 horas. Ao ouvir aquilo, lhe perguntei:

– Quanto custa, mais ou menos, uma viagem dessas?

O valor dava para liquidar todas as minhas pendências com o senhorio e ainda sobrava um dinheirinho para torrar em indulgências. Não tive dúvida, propus ao big boss:

– Prefiro receber em espécie.

Fiz bem. Na festa brasileira pela premiação em Cannes chamaram a escola de samba Rosas de Ouro para um batuque na praça em frente à empresa. Comidas finas, bebidas premium para todos. A diretoria do grupo se perfilou inteira diante das câmeras de TV para informar ao mercado que recebera a palma mais cobiçada do setor. Lembro-me de ter ficado rodando feito uma barata tonta pelo local, sem saber onde me colocar. De um a um, todos levantavam o troféu (ali na festança só porque eu escrevera o roteiro); e não havia um ente para me chamar ao palco.

O pisão no meu pé, dado por um cameraman, desencadeou tudo. Abandonei a festa, entrei no RH e pedi um mês de férias. Em uma semana quitei todos os papagaios, me despedi da família, e voei para Paris. E claro: em Saint-Germain-des-Prés, me hospedei no mesmo quarto de hotel onde vivera Oscar Wilde.

Antes do fim: esta crônica não seria possível sem o livro Meus prêmios, de Thomas Bernhard.

(Publicado no Estadão)