O poeta Mário Faustino II

Por Carlos Evandro Martins Eulálio

Mário Faustino dos Santos e Silva nasceu em Teresina, no dia 22 de outubro de 1930. Deixou o Piauí aos 10 anos de idade, em companhia de familiares, para  residir em Belém do Pará. Ali, com Benedito Nunes e Haroldo Maranhão fundou a revista literária Encontro (1948). Ainda em Belém, foi chefe de redação do Jornal “A Folha do Norte”. Residindo posteriormente no Rio de Janeiro, a partir de 1956, desenvolveu intensa atividade jornalística, como editorialista do Jornal A Tribuna da Imprensa e do Jornal do Brasil. No Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), criou a página Poesia-Experiência, dedicada exclusivamente à poesia. Para Benedito Nunes, o lema de Poesia-Experiência, “Repetir para aprender, criar para renovar, traduzia o sadio empirismo que orienta as investigações de longo alcance. Ao propósito teórico da página, concernente ao conhecimento do fenômeno poético, estética e historicamente considerado, juntava-se à finalidade de ensinar poesia.”
 Essa página circulou de 23 de setembro de 1956 a 1º de novembro de 1958 e era dividida em seções, assim denominadas: Poeta Novo (destinada a divulgar poemas de autores jovens); O melhor em português (dedicada à publicação de clássicos portugueses); É preciso conhecer (objetivava divulgar poetas modernos estrangeiros, através de traduções); Clássicos vivos (apresentava textos de poetas antigos de épocas e nacionalidades diversas); Subsídios de crítica ou Textos Pretextos para discussão (teoria poética de poetas críticos, como Eliot, Pound e outros); Pedras de Toque (fragmentos selecionados pelo poeta, os quais considerava exemplos da linguagem poética de alto nível); Diálogos de Oficina, Fontes e correntes da poesia contemporânea e Evolução da Poesia Brasileira (três séries de artigos ensaísticos).
 A teoria poética mais importante de Mário Faustino compreende o ensaio Diálogos de Oficina dividido em 3 partes: Para que Poesia? - O poeta e seu mundo – Que é Poesia? Esse ensaio representa o lado teórico da experiência prática de Mário Faustino ao escrever a obra “O Homem e sua Hora.”
 Mário Faustino faleceu aos 32 anos, em desastre aéreo, no dia 27 de novembro de 1962. No poema “Sinto que o mês presente me assassina” lemos o verso que se tornou célebre, como exemplo de premonição da morte: “a morte espacial que me ilumina.” 
 Mário Faustino foi um polígrafo. Escreveu sobre vários assuntos. Produziu poesias, contos, crônicas, ensaios de poética, críticas literárias e cinematográficas, tendo ainda traduzido poetas de várias nacionalidades: franceses, espanhóis, ingleses e norte-americanos.
 O Homem e sua Hora é o único livro publicado em vida do poeta, pela editora Livros de Portugal, Rio de Janeiro, 1955. No balanço sobre a página que dirigia no Jornal do Brasil, Mário Faustino referiu-se a esse livro como sendo uma “espécie de relatório de meia-dúzia de anos de aprendizado poético.”
 No quadro literário brasileiro, Mário Faustino pertence ao grupo de poetas que se situam entre a geração neomodernista de 1945 e as experiências vanguardistas da década de 1950. Manuel Bandeira e Walmir Ayala denominam esse momento de “Poesia até agora & Vanguardas”. Para Assis Brasil, esses poetas, “conformados” entre a geração pós-modernista (1945) e as experiências de vanguarda, pagaram um tributo demasiado longo ao que denomina “Tradição da Imagem”. Mesmo durante o período de vigência das vanguardas brasileiras, como Concretismo (1956), Tendência (1957), Neoconcretismo (1959), Práxis (1962), Violão de Rua (1962), Poema Processo (1967) e Tropicalismo (1968), os poetas dessa geração, embora receptivos aos avanços da arte poética  (absorvendo tranqüilamente os experimentos dessas vanguardas), mantêm-se irredutíveis quanto ao modo de produção, isto é, absolutamente autônomos na resolução de uma experiência pessoal, marcada por um lirismo metafísico e acima de tudo metafórico, dentro de uma evolução nitidamente linear e inteiramente independentes da geração de 1945. São poetas desse período: Mário Faustino, Homero Homem, Walmir Ayala, Alberto Costa e Silva, Marly de Oliveira, Ferreira Gullar (que posteriormente faria parte da geração concretista), Affonso Ávila, Affonso Romano de Sant’Anna, dentre outros. A poesia de Mário Faustino pode ser estudada em 3 fases, a saber: 1ª fase – Inicial ou pré-moderna, anterior ao Concretismo. Aqui incluem-se poemas publicados entre 1948 e 1955. Nesta fase incluem-se  o livro “O Homem e sua Hora” e mais 14 poemas que constituem a primeira parte dos “Esparsos e Inéditos” (reunião de textos divulgados por Benedito Nunes, após a morte do poeta). São características desta fase: formas poemáticas tradicionais, como canções, odes, baladas e sonetos. Os poemas em geral são expressos em sonetos, nos quais predominam versos decassílabos, obedecendo ao metro tradicional. A linguagem é metafórica, com largo emprego de anáforas, elipses e paronomásias. Ressalte-se ainda o exercício reiterado da função emotiva da linguagem. 2ª fase – Moderna ou experimental. Posterior ao Concretismo. Poemas escritos entre 1956 e 1958. Esta fase consta de apenas oito poemas ou fragmentos (2ª parte dos “Esparsos e Inéditos”), sendo o primeiro poema intitulado 22.10.1956 (data de aniversário do poeta). São características desta fase: formas livres, poesia espacial, objetividade, fragmentação, influência do Concretismo. As formas livres substituem o soneto. 3ª fase – Pós-moderna. Compreende os textos publicados entre 1959 e 1962, posteriores ao Concretismo. Esta fase pode ser também denominada “Fase dos Fragmentos”. Suas principais características são: poemas de circunstância, fragmentados e sem títulos, embora neles persistam os temas freqüentes das fases anteriores, como o amor, a morte, o tempo e a eternidade. Delineia-se nesta fase o esboço do poema existencial do poeta: o preconizado poema longo. Neste caso, os textos refletiriam uma obra em progresso, a qual deveria acompanhar a vida do poeta até a morte. Daí o sentido do termo “poema longo”, atribuído pelo autor. Pretendia reunir bom número de fragmentos e publicá-los de cinco em cinco anos.
Sobre  “O Homem e sua Hora”, trata-se de um livro constituído de 22 poemas, incluindo o soneto Prefácio que antecede os demais textos. A obra é dividida em três partes:
 1ª parte – Disjecta Membra (título inspirado nas palavra de Horácio, célebre poeta latino, que viveu no ano 65 a.C., autor do famoso tratado de poesia “Arte poética”. A frase original, retirada da obra Sátiras é: “Disjecti membra poetae” – isto é – “Os membros do poeta esquartejado”, completáveis assim: não seriam reconhecíveis se lhes desfizéssemos o ritmo e a disposição da frase”. Esta parte compõe-se de 13 poemas: Mensagem, Brasão, Noturno, Vigília, Legenda, Romance, Vida toda linguagem, Estrela roxa, Alma que foste minha, Solilóquio, Mito, Sinto que o mês presente me assassina e Haceldama (do hebraico, “campo de sangue”).
 2ª parte – Sete Sonetos de Amor e Morte (todos em decassílabos e escritos à maneira inglesa: os quatorze versos são compactados numa só estrofe): O mundo que venci deu-me um amor, Nam sibylam (do latim, é certo, Sibila), Inferno, eterno inverno, quero dar, Agonistes (do grego, lutador, atleta), Onde paira a canção recomeçada, Ego de Mona Kateudo (do grego pelo latim: e eu jazo sozinha), Estava lá Aquiles que abraçava.   
 3ª parte – Constituída por um só texto que dá título à obra. Trata-se do poema O homem e sua hora. Contém 235 versos, decassílabos na quase totalidade. É a síntese do projeto poético de Mário Faustino. Determinados trechos são difíceis de compreendê-los, pois exigem do leitor conhecimentos sobre mitologia, literatura bíblica e greco-latina. Trata-se de um longo diálogo do poeta com o mundo, sugerindo mais do que afirmando. A intertextualidade faz-se presente através de referências aos livros do Antigo e do Novo Testamento, passando por autores, como Homero, Safo, Confúcio, Virgílio, Homero, Dante, Pound, Mallarmé, Eliot, Jorge de Lima e outros. Os versos surgem numa cadeia sintática descontínua e reticente, instaurando no texto o pensamento fragmentário e analógico, tornando o tom ambíguo, cada vez mais saliente no poema. É também propósito do poeta enunciar, ao longo do poema, princípios da linguagem poética que devem nortear os versos, privilegiando pressupostos de Ezra Pound: a fanopéia (atribuição de imagens à imaginação visual), logopéia (a dança do intelecto entre palavras) e a melopéia (musicalidade). Para Benedito Nunes, “Amor e morte, tempo e eternidade, sexo, carne e espírito, vida agônica, salvação e perdição, pureza e impureza, Deus e o homem, passam e repassam, sob diferentes nomes e em diferentes situações, nos versos do livro “O Homem e sua Hora”. Outros temas são ainda recorrentes na obra: o tempo, misto de efêmero e de eterno. Há também o tempo que destrói e consome nossa existência, em momentos de solidão e de muita angústia.
      Os textos de O Homem e sua Hora sempre traduzem a consciência de um estado em crise. Seja no âmbito literário, como no soneto Prefácio, seja na esfera pessoal, como no poema O mundo que venci deu-me um amor. A poesia, o poeta e o poema são temas constantes em todo o livro. Ressalte-se também a poesia com fins didáticos. O poeta é, ora visto como artista e artesão, ora como cantor inspirado e fecundador. O poeta é concebido como produto da inspiração e do intelecto. Há também no livro, momentos em que o autor, a exemplo de João Cabral de Melo Neto e de Carlos Drummond de Andrade, teoriza sobre a poesia dentro do próprio poema, estabelecendo a fusão entre as funções poética e metalingüística. É oportuno lembrar que todos os temas assumem diferentes matizes ou subtemas. A linguagem poética de Mário Faustino é altamente elaborada, com senso de disciplina e ritmo preciso. Por essa razão, é tida para alguns como hermética. Ao construir poemas em formas tradicionais, segue o exemplo dos bons poetas da língua, pois entendia a forma como possibilidade de criar novas estruturas. Daí a capacidade que possuía de transitar da forma tradicional para as variantes poemáticas próprias.