O poeta do Rio

Manoel Hygino dos Santos

Anderson Braga Horta, excelente poeta, comenta "Emoção Atlântica", de Márcio Catunda, no prefácio, revelando seu conhecimento do autor. André Sefrin, orelhas, saúda o poeta fluente e dionisíaco, que celebra o Rio de Janeiro como Mário Quintana o fez com Porto Alegre.


Jarbas Júnior exalta a poesia, inspirada no Rio, de beleza inexcedível. "Tudo conspira, nesta cidade, a favor da poesia. O edênico de suas esplêndidas paisagens naturais, ao lado da sua imensa alma alegre, agitada, efusiva: Copacabana, Ipanema, Leblon, o litoral mágico, recordado de montanhas e restos da Mata Atlântica, sob o belicoso submundo das favelas sobre os morros".


Aí está uma característica desse poeta. Canta o belo, mas não ignora os problemas que avultam numa cidade que a natureza fez maravilhosa. E que - como de repente - passou à divulgação internacional como núcleo de ação de poderosas organizações criminosas.


As principais atrações são objeto nos versos de um poeta raro: "Copacabana, andar nas tuas noites/só tem sentido em nome daquela boemia. /Não são os caros da avenida,/nem os anúncios luminosos dos restaurantes, /nem as belas mulheres./ É o meu ideal de adoração da Lua! Que permaneça esse espelho na minha autoveneraçao./Essa areia branca seja o meu refúgio contemplativo./


Para Catunda o Rio é dionisíaco: O Rio lúdico dos bares de Copa./O Rio compatível com o meu romantismo./Onde há cantores que falam de arco-iris./Noite nas vitrines e lanchonetes./O Rio onde sou poeta no meio do tumulto;/ o barulho dos ônibus, /forjando o desregramento dos sentidos/.


Mas a poesia contempla também Ipanema, o Vidigal, o Elevado do Joá, Santa Tereza, o Pão de Açúcar, a Lagoa Rodrigo de Freitas, a Urca, o Pão de Açúcar, Corcovado, Pedra da Gávea, Dois Irmãos, porque não há como ignorar essas grandezas, a visão do mar onipotente, os sons fantásticos na vegetação.


O poeta entretanto, não ignora a outra face da moeda, porque "os espectros pulam na crosta de concreto./Aparece o que dorme na calçada./O maltrapilho da perna gangrenada./O menino, cara de homem, que o segurança afugenta./A que se senta com a criança à porta do Banco do Brasil./O de rosto cheio de cicatrizes, dizendo que tem fome. /O que dorme em diagonal, com a cabeça na parede em frente ao Cine Roxy..."


Em Perfil da Cidade, um novo enfoque: "Rua Senador Dantas, entre hotéis de naftalina/ e cafés com ventiladores estridentes /Atravesso o beco dos Poetas de Calçada./Chorinho nas noites da Lua./Caminho entre espamos e obsessões./Cidade armada, povo faminto,/arrancando à bala do patrimônio alheio./Gente dormindo nas calçadas,/tomando banho nos esgotos.../Tiroteios fechando ruas, balas perdidas/automóveis perfurados,/o sangue das vítimas desgraçando tudo./Caminho entre sujeitos de altíssima periculosidade./Ontem, 200 tiros atingiram a Prefeitura,/ e ninguém sabe quem os disparou.