O poema profético
Por Rogel Samuel Em: 24/05/2018, às 14H30
Rogel Samuel
Mithrídates Correa é o poeta mais desconhecido da Amazônia. No entanto, muito escreveu. Em jornais, revistas, Manaus. Não publicou um só livro. Era um bom poeta. Poucos se interessaram por sua obra. Um dos poucos foi o grande piauiense Assis Brasil, que fez muito mais pela cultura brasileira do que um ministério da cultura. Devemos à persistência de Assis Brasil a melhor coletânea da poesia no Brasil em livro.
Mithrídates Correa nasceu em Manaus, em 1904 e lá faleceu, em 1968. Foi juiz no interior e professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas. “Promotor público, advogado, militante, poeta”, escreveu Assis Brasil.
Ele morreu no dia primeiro de janeiro de 1968.
Um dia antes de morrer, publicou no “Jornal do Comércio” de Manaus um poema profético, falando de sua morte: “não pode o coração sofrer engano, / ainda que seja um coração de aço”.
Apesar de não ter publicado nenhum livro, entrou em antologias e na Academia Amazonense de Letras, onde ocupava a cadeira Olavo Bilac.
Seus textos em prosa são excelentes, como li nos poucos fragmentos que nos sobraram. Seu testamento poético foi encontrado depois de sua morte. Um poema longo, do qual extraio alguns versos, que dizem: “Quando eu já não for / ... / que se abra o chão / e à voracidade da terra / minhas carnes atirem / vida em movimento, alma em ação / que eu volte a ser nada / como fui outrora / da vida um acontecimento / em trajetória para o esquecimento / e o que deixei de mim como lembrança / que sirva de alimento”.
Está o poema na revista da Academia Amazonense de Letras, n. 12, de 1968. Pouco depois de sua morte. Mas, como ele escreveu, em outro poema:
“Não morre o que transforma a força em pensamento
e desta arranca a cor e o movimento
e tudo que de belo o pensamento encerra”.
Fui o primeiro a colocar na Internet os poetas amazonenses antigos, no meu deletado “Site do Escritor”, que a Geocities teve o cuidado de tirar do ar, até hoje não sei por quê. Talvez porque excedia o limite do espaço on line. Mas não estava lá o poeta Mithrídates Correa.
Como ele escreveu, todos nós estamos “em trajetória para o esquecimento”.