[José Ribamar Garcia - da Academia Piauiense de Letras]

“Estranha e paradoxal condição, a do escritor. Seu Privilégio é a liberdade, o direito de ver, ouvir e  averiguar tudo. Está autorizado a pesquisar nas profundezas, a atingir os cumes: a vasta realidade é sua.      Para que lhe serve este privilégio? Para alimentar a fera   interior que o avassala, que se nutre de todos os seus   atos, torturando-o sem tréguas, e que só se acalma,                                                    momentaneamente, no ato da criação, quando brotam  as palavras.”

 (Mário Vargas Llosa, em “Contra Vento e                                                                                 Maré”, p. 51).

                                                         

Acabei de realizar uma longa e interessante viagem por algumas partes do Brasil, através da leitura deste “O PÓ DA ESTRADA, vol. 2”, de autoria de Enéas Athanázio.  

Enéas Athanázio, do seu porto seguro, em Balneário Camboriu, está sempre alçando voos por este Brasil afora, que conhece muito bem. E “O pó da estrada”, vol 2, é o resultado dessas andanças.

Ele começa o livro com evocações ao rio da infância e adolescência - o Iguaçu, transformado no “Velho Amigo”. Nele aprendeu os segredos  da vida aquática, navegando sozinho no seu bote “Winnetou”. Assim batizado em homenagem ao personagem de Karl May, cujas histórias fascinavam o então adolescente, ávido por liberdade e conhecimento.

Prossegue indo completar sua “revisão” do Nordeste – onde já esteve 19 vezes. Desembarca na Paraíba. Esmiúça João Pessoa, Campina Grande, Cabaceiras e adjacências. Revê os escritores da terra – alguns já amigos, sempre há amigos em cada lugar que chega –, e abraça o grande Ascendino Leite, o último solitário da praia de Tambaú. Fala da história deste Estado, relata a morte trágica de João Pessoa e menciona o “coronel” José Pereira, de quem Lampião (capitão Virgulino Ferreira) traçou o seguinte perfil: “De todos os meus protetores, só um miseravelmente me traiu. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso, desonesto, a quem servi durante anos, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão”. (Entrevista concedida pelo cangaceiro ao médico Otacílio Macedo, em 1926, no Juazeiro, citada por Moacir Assunção, no seu livro “Os homens que mataram o fascínora”, p.l63, Ed. 2007, Editora Record).       

Não demorou - e sempre ao lado de Dona Jandira, companheira de todo momento – realiza um périplo pelo interior do seu estado de Santa Catarina. Rever Campos Novos - sua cidade natal -, delicia-se com a prosa agradável de sua mãe, concede entrevistas, registra sua presença, para que “não me digam depois que não visito a terrinha.” Até parece!                        

Depois, sempre movido pelo vento do conhecimento, percorre o Vale do Cariri, no Ceará, detendo-se em Juazeiro do Norte e Fortaleza. No retorno, parada em São Paulo.

 Após outro percurso pelo interior de Santa Catarina, Enéas Athanázio vai à Belo Horizonte. Em seguida, retorna ao Nordeste. Desta vez, especificamente, a Maragogi, a 140km de Maceió. Depois, à Bahia. E da vez seguinte, a Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Piauí, onde já havia recebido o Título de Cidadão Honorário Piauiense, concedido, merecidamente, pela Assembléia Legislativa do Estado. Honraria que ele costuma invocá-la com orgulho: “A informação de que sou Cidadão Honorário Piauiense abria todas as portas. Passava a ser considerado um irmão.” (p33).  Pois é, Enéas, o Piauí também tem muito orgulho de você. E finaliza o livro com algumas fotografias que registram pontos dessas viagens, tendo antes escarafunchado as nascentes do rio São Francisco.

Enéas Athanásio é um escritor polivalente. Autor de 48 livros.  Sua obra contém novelas, contos, crônicas e ensaios. Neste “O Pó da Estrada” (vol. 2), usou como referencial a estrutura do diário, com uma narrativa precisa e empolgante. E não se trata de mero livro sobre impressões de viagens. Mas de uma obra plena, que revela o Brasil por dentro e que possibilita várias leituras - da história a literatura, passando pela geografia, sociologia e antropologia.    

 Na verdade, essas andanças representem para o autor mais que passeios contemplativos, pois são a oportunidade de recolher matéria-prima para alimentar a fera a que refere Mário Vargas Llosa.