No mundo arcaico, a destruição da violência e a sobrevivência da sociedade eram tarefa da guerra. A transcendência da razão, em lugar de eliminar a violência, define a violência como o mal, e confisca a violência para que fique submetida ao controle do Estado. No mundo arcaico, a violência pura não tinha assim essas características de mal.
O mundo moderno instaurou um dualismo entre bem e mal, tentando o império do bem sobre a violência do mal. Este império do bem seria a violência sob o controle do Estado.
O mundo dualista só admite a violência como forma de exclusão racional da violência individual, através das instituições do Direito e da Justiça, através do militarismo.
O Bem passa a ser uma exclusão da violência de todos, destituída de todos, assumindo o Estado o papel de representante da violência coletiva. A fraqueza do mundo pós-moderno é não oferecer um espaço de legitimação da violência, assim como o impasse do final do Século XX foi a impossibilidade de um confronto entre os dois Impérios. A violência explodiu para dentro, ou para os lados.
A repressão da violência por parte do Estado, e por parte do Império, não a erradica, nem a libera. Acumulada, por parte do Estado ou do Império, a violência parece ainda mais ameaçadora.
Se o Bem é uma exclusão da violência, isso acaba funcionando em proveito da violência, pois o Bem não está excluído de usar a violência. A violência do Bem acaba transferindo o Bem para o outro lado, já que um Bem violento aparece.
A exclusão da vingança individual do mundo pós-moderno (transferida para o Direito), deixa aberto um perigoso espaço para a violência, que a moralidade racional não tem sabido neutralizar.
(Esse texto pertence a "A RECONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO GRANDE SERTÃO", tese de doutoramento de Rogel Samuel, 1983, inédita).