[Braúlio Tavares]

 


(de Random Meanderings)

Um leitor indignado escreveu uma vez para Pauline Kael, a famosa crítica de cinema norte-americana, fazendo-lhe a tradicional pergunta: “Se você é tão segura a respeito de quando um filme é bom ou é ruim, por que não faz um?”. Ela respondeu que uma pessoa não precisa saber botar um ovo para poder dizer se um ovo frito está bom ou não. Existe um consenso difuso dentro do Clube dos Espectadores Irritados de que um crítico de cinema é um cara que tentou fazer cinema e não deu certo, ou que teve tanto medo que jamais tentou. Isso é tão injusto quanto imaginar que um espectador é um cara que quis ser crítico e não deu certo, etc etc.

Se um espectador pergunta a um crítico: “Quem é você para dizer que este filme é ruim?” o crítico tem todo o direito de perguntar de volta: “E quem é você para dizer que é bom?”. O direito do crítico é o mesmo de um espectador; os seus deveres é que são mais numerosos e mais sérios. O crítico pode ser aquele monstro horrendo de nossa época, o Especialista, o sujeito que dedica todas as horas de sua vida ao estudo de alguma coisa. Enquanto eu estou vendo futebol na TV, ele está estudando cinema. Enquanto eu tomo cerveja no boteco com os amigos, ele está estudando cinema. Enquanto eu escovo os dentes, penteio o cabelo, ele está estudando cinema. Quando eu e ele nos sentamos para discutir, ele me esmaga a cada frase como se fossem patas de elefantes: “Você sabe o que é diegético? Você já assistiu algum filme de Samuel Fuller? Você sabe a diferença entre um travelling e uma panorâmica? Você sabe qual é o clássico do cinema que está sendo citado na famosa sequência do varal de lençóis em Legendas de Krisnampur?” E assim por diante. Discutir com um Especialista é como jogar xadrez com um cara que tem onze damas, trinta torres, dezesseis bispos e noventa cavalos.

A função do crítico não se confunde com a do diretor; exigir que o crítico dirija um filme para ter o direito de criticar é o mesmo que exigir que um diretor escreva uma crítica para ter o direito de dirigir. Há pessoas que sabem olhar apenas o filme, o espetáculo. E há pessoas que sabem ver ao mesmo tempo o filme, a platéia e a cabine de projeção. Claro que ele pode ter a opção (se lhe convém) de se deixar arrebatar pelo filme, ver um filme primeiro como espectador e só depois como crítico; mas um “crítico” é quem sabe usar esses dois modos, e um “espectador” é quem só sabe usar um. Esta é uma das diferenças mais importantes, e o que às vezes irrita um espectador é perceber que está sendo considerado parcialmente cego, e que quem o considera assim tem mesmo razão.