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 Qualquer um que não se choque com a Mecânica Quântica é porque não a entendeu.

Niels Bohr

(Físico dinamarquês, ganhador do prêmio Nobel de Física de 1922 e um dos pais da Mecânica Quântica)

Percorria um extenso corredor. Uma espécie de urgência o obrigava a permanecer em um ritmo acelerado. O silêncio do lugar era interrompido apenas pelo barulho dos seus sapatos batendo contra o piso. O mais estranho, no entanto, era a forte sensação que experimentava de estar sendo observado. Era como se alguém ou algo invisível prendesse o fôlego, esperando para ver qual seria o seu próximo gesto.

Estava no meio do corredor quando se deparou com duas portas abertas. Elas eram estreitas, mas não o suficiente para impedi-lo de passar. Sentiu – sem entender bem o porquê – que precisava escolher uma delas. O que iria encontrar do outro lado não lhe interessava, a questão toda era que devia – ou melhor, tinha! – decidir entre a da esquerda ou a da direita.

Estava-se perguntando qual seria a porta certa quando, de repente, ouviu uma voz:

– Passe pela esquerda. A esquerda é a correta!

Com um susto, olhou a sua volta. Nada. O lugar estava vazio.

– Vamos! O que está esperando? Passe pela esquerda! – voltou a ouvir.

Que brincadeira era aquela? Alguém estava querendo amedrontá-lo. Tentou descobrir onde estava escondido o dono daquela voz. No entanto, por mais que procurasse não viu ninguém. Resolveu se acalmar. O melhor era entrar no jogo, assim teria a oportunidade de desmascarar o responsável por essa brincadeira de mau gosto.

- E você? Quem é? – perguntou.

- Eu sou eu. E você? Quem é?

- Eu sou o proprietário deste lugar e você o está invadindo.

- De jeito nenhum esse lugar é meu e é você que está invadindo.

Logo percebeu que aquela conversa não o levaria a lugar algum. Aquilo era uma maluquice. Cansado da brincadeira, decidiu ignorar a voz, não tinha tempo a perder com uma pessoa que achava engraçado perturbar estranhos em um corredor vazio. Voltou, assim, sua atenção para as portas que estavam à sua frente. De imediato, pensou que o melhor seria passar pela da direita. Essa, com certeza, era a escolha mais lógica.

No mesmo instante, voltou a ouvir a voz misteriosa:

- Não! A melhor opção é a da esquerda!

- Meu Deus! – gritou aborrecido – Dá para ficar quieto? Essa brincadeira já não tem mais graça! A decisão é minha e eu faço o que bem entender!

- Você é que não entende nada. A porta da esquerda é a mais adequada e é por ela que você deve passar.

- Não, meu caro. Se você quer continuar com esse jogo idiota, o problema é seu. Eu já decidi, será pela direita que vou passar!

- Passe, então, não me importo. Mas, depois não venha dizer que eu não avisei.

Do outro lado, o silêncio foi quebrado pelo ruído de uma porta sendo fechada. Nervoso, espiou, procurando o responsável pela voz irritante. Nada encontrou. O lugar continuava vazio. Ele sabia, fora tudo uma brincadeira estúpida de algum doido desocupado. Ainda bem que não lhe dera atenção, sabe-se Deus onde teria ido parar se tivesse resolvido levar em conta as suas sugestões malucas. Sorrindo com satisfação seguiu o seu caminho, convicto que a sua escolha – a porta da esquerda – havia sido a mais correta.

 

Publicado originalmente na coluna QUEDA LIVRE do site ARGUMENTO.NET, em novembro de 2008.