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É isso. Não tem mais volta. Já que cheguei até aqui, o melhor é seguir em frente. Olha este prédio?! As paredes não veem uma pintura há muito tempo. Que decadência! Nem porteiro eletrônico tem. Como é que pode querer se meter num lugar assim? Isto aqui é um pardieiro!
Respirando fundo ela tentou se acalmar.
Não dá para ficar com medo agora. Mas será que é verdade? De repente, é tudo intriga! Pura inveja! Para! Deixa de ser boba! Olha o carro! Ele está estacionado bem em frente ao prédio. Não pode ser coincidência. Afinal, carro velho como este não tem dois iguais. Que idiota eu tenho sido! Vou entrar. Não. É melhor esperar um pouco. Quem sabe, não decido tudo aqui na rua? Estou me sentindo ridícula! Não posso continuar na calçada olhando para o prédio esperando que alguém resolva sair. Sou capaz de ser assaltada. Se minha mãe sabe, morre de desgosto. Coitada! Para ela, mulher de respeito, não importa a situação, tem que manter a compostura, a elegância. Mas o que eu menos sinto vontade agora é de manter a elegância. Quero entrar e dizer um monte de desaforos. Mas cadê a coragem? Não sei o que é maior: a minha raiva ou a minha vergonha. Vou entrar e seja o que Deus quiser. Argh! Que nojo! Olha a sujeira deste corredor. Como é que pode? Não dá mesmo para entender. Não vou nem me encostar no corrimão da escada, sabe-se lá quantos germes têm espalhados por aqui.
Diante da porta, onde o número 305B aparecia meio desbotado, ela parou. Indecisa, ficou sem saber se batia ou não.
Meu coração parece que vai saltar pela boca. Por que justo comigo isso tinha de acontecer? Por quê? Eles estão lá dentro, dá para ouvir. Vamos lá. Preciso tomar uma atitude. É uma questão de respeito. Vou bater.
Uma mulher muito maquiada, cheirando a perfume barato, abriu a porta. As duas se encararam em silêncio. Não havia nada a dizer.
- Pedro! Tem uma pessoa, aqui na porta, querendo falar contigo – gritou a mulher, sem se virar.
Passos no corredor. Um homem sem camisa, de meia-idade, já meio calvo, atendeu ao chamado. Novamente, o silêncio.
- Oi, pai. Precisamos conversar. Agora!